sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Seis meses da Páscoa do Pe. Ceolin

Recordando os seis meses da partida do Pe. Ceolin, tenho a alegria de partilhar um belissimo testemunho escrito pela grande amiga Inez Maciel (Entre-Ijuis).

De flores, pães, pássaros e cacos de vidro...

Num momento dolorido em que o Pe. Itacir postou uma das tantas anotações do querido e saudoso Pe. Ceolin inventei de dizer: “Ita, você  tem que editar um livro, sei lá, com todas essas passagens para que quem o conheceu; faça uma boa memória de alguém tão especial, pra que aqueles/as que perderam de conviver com ele, saibam de quem estamos falando...” Bendita hora! O Itacir lançou-me o desafio: “Você não quer passar para o papel o  que vivenciou?!” Senti-me desafiada, não pelo belo prazer de escrever, mas pelo respeito em conservar a história desse anjo.
Conheci o Pe. Ceolin no Instituto Missioneiro de Teologia (IMT). Eu era uma simples funcionária, ele professor! O certo é que quando ele entrava na biblioteca, onde eu trabalhava, o ambiente se enchia de graça. Era como que uma luz, uma força, naquele lugar solitário, cheio de mofo, cheio de livros... Com meu ar apimentado, dizia: “Sua bênção seu Padre!” E ele graciosamente tomava minha mão e respondia: “Sê benta, minha filha!” Sempre com aquela carinha de rir...
Eu nunca gostei de trabalhar com papel. Eu gosto é de gente! Mas foi preciso... Queixando-me disso pra ele, certa vez ele disse: “Minha filha, você é uma privilegiada: morar no meio de tanta gente silenciosa... Tu podes conhecer o mundo, viajar por muitos lugares, saber coisas que ninguém sabe...” De fato! Daquele dia em diante não reclamei mais dos livros e comecei a ler um pouco, viajar, sonhar, conhecer pessoas e lugares, descobrir coisas que ninguém sabia... Meu trabalho se tornou mais feliz!
Tive a graça também de tê-lo do meu lado, várias vezes em que coordenei o retiro de Mulheres do Movimento de Cursilhos de Cristandade (MCC). Coisa querida!... Um dia convidei-lhe para falar sobre a Graça. Coisa graciosa! Lá no Seminário da Sagrada Família, em Santo Ângelo sempre tem bandos de pássaros fazendo uma algazarra toda, dia e noite.... Num dado momento ele disse: Graça é esse bando de passarinhos que cantam aqui nesse lugar tão distante do barulho. E nos desafiou a escutar o canto dos pássaros... “Façam silêncio! Escutem!...” Por incrível que possa parecer, nenhum pássaro cantou... Silenciaram... Hoje, relembrando, eu me arrepio, porque  ele não perdeu o rebolado e disse: “Pois é!... Eles também fizeram silêncio para receber a graça....” Achei que as mulheres cairiam na risada, mas nós choramos copiosamente...
Noutro retiro de mulheres, na hora da missa, a liturgista esqueceu as hóstias... Ele olhou pra ela e disse: “Mulher não temos pão! Vá até a cozinha e traga algum...” Envergonhada, ela foi buscar o pão. Enquanto isso ele fez uma profunda catequese em cima da “comunhão” , do significado do ter e não ter pão, sobre o significado da partilha!
Mamãe estava acamada há mais de um ano e nove meses, e a gente se revezava no cuidado... Na sexta-feira, a partir do meio-dia, eu deveria estar na coordenação do retiro do MCC... Ela admirava muito meu trabalho. Na terça-feira, dois dias antes de nos deixar, ela me perguntou: “Filha, que dia mesmo você vai pro seminário?” E eu respondi: “Na sexta ao meio-dia...” Perguntei: “Por quê, Mamãe?” Ela disse: “Não, por nada, só queria saber....” Ela faleceu na quinta-feira... Enterramos Mamãe às cinco horas da tarde. Na sexta ao meio-dia lá estava eu, um pouco receosa, porque meu marido me dissera: “Tu não deverias ir... Ou vão achar que você não está nem aí pra sua mãe, ou vão te chamar de aparecida...” Pois bem! Na sua mensagem, em determinado momento, à noite, o Pe. Ceolin convidou para uma oração e disse: “Bem vinda, Inêz! Deixe que os mortos enterrem seus mortos... Sua Mãe deve estar muito orgulhosa de você... Ela te deu tempo de vir servir essas irmãs...” Quem pode com isso?
Como Jesus, o Pe. Ceolin às vezes também se zangava... Um dia contatei com ele para dar uma mensagem no retiro. Não gosto de lembrar... Havia acontecido uma coisa feia no nosso grupo... E ele respondeu: “Não vou! Chame o Padre lá do rincão dos coquinhos!...” Chorei muito naquele dia. Eu não tinha culpa de nada. E aprendi que os deuses e os anjos também se zangam. No primeiro encontro que tivemos, lá estava ele sorridente – seu sorriso era enigmático: a alegria se misturava com um certo sarcasmo – e com o mesmo coração, no caminho, conosco. Então descobri que os deuses e os anjos não guardam rancor!
Tive oportunidade de conviver com essa figura. Tão divina e tão humana. Um sábio! Numa celebração eucarística – ele já estava doentinho – passou mal... A gente percebia que ele não estava bem. Terminada a consagração, ele me olhou e, como sempre disse: “Mulher, chegou a tua hora. Termine a missa pra mim...” Ele estava era roxo, a boca sem cor... Me assustei com ele e com a “missão” que me dava... Fiz tudo direitinho. No final, uma mulher veio e me falou: “Bah, agora eu sei que nós mulheres também podemos chegar perto do ‘sagrado’...” Contei pra ele depois. Na sua seguinte oportunidade ele comentou o episódio e perguntou: “O que é o ‘sagrado’?...
Mulher gosta de tudo bonitinho, direitinho. Um dia ele estava lá na frente do grupo falando sobre os sacramentos e, de repente, vi no meio das flores uma rosa. Olhei para as coordenadoras e perguntei: “O que faz aquela rosa espetada no meio da planta? Quem é que colocou ela lá? Está destoando de tudo....” Mas eu não poderia ir lá e retirá-la naquele momento... Quando o Pe. Ceolin fez a introdução ao sacramento do matrimônio, pegou “a rosa espetada” e disse: “Muitas de vocês já receberam uma rosa de um filho, do namorado, do marido... O Que significa esse gesto?” Todas responderam num eco só: “Significa o amor!” Ele tornou a perguntar, com a rosa na mão: “Mas essa rosa é o amor?” Ficamos caladas... “Pois é”, disse ele. “Assim é o sacramento: sinal do amor...” Pois não é que a rosa espetada se tornou um sacramentinho... Ele havia colocado aquela rosa lá...
Numa celebração eucarística em que ele me chamou – ou foram os anjos  que me enviaram? – para servir o altar (ele era bem despachado nas palavras), me disse: “Mulher, vem aqui, servir a mesa do banquete... Ou você ainda está no tempo em que se acreditava que as mulheres eram só pra lavar a louça?” Eu fui. Depois de tomar o vinho, de um cálice de vidro, ele me passou o cálice... Ao tomar o cálice, olhei no fundo do mesmo e – por isso falei que foram os anjos que me enviaram! – vi no fundo do cálice uns cacos de vidro... Fiz de conta que bebi, dei um jeitinho de colocar água no vinho e o derramei discretamente sobre as flores, sem que ninguém visse... Ele me olhou sem entender nada. E eu disse: “Depois conversamos... Deixa assim...” Quando contei-lhe o que havia acontecido, ele falou: “Pois é!... Pois é!.. Meu sacrifício não vive por si mesmo... Ele tem um motivo, um significado... E é isso que me dá confiança... Vai saber e entender o que ele quiz dizer...
A Gladis Monteiro e eu coordenávamos outro retiro de mulheres. Lembra disso Gládis?... O Ceolin fora convidado para falar sobre o encontro com Cristo. Ele falava exatamente de Jesus e a mulher no poço... Para mim, uma das mais belas passagens dos evangelhos... De repente, no meio da conversa, ele sumiu pra trás do altar... Quem conhece o Seminário sabe... Nós nos olhamos, já prontas pra ir atrás dele, quando ele volta e coloca no chão um pocinho de artesanato, muito lindo... E continua falando: “Quem bebe desta água...” Não é mesmo surpreendente? Divinamente humano? Apaixonante?
Um dia, falando de suas crises que havia enfrentado, disse: "Eu quero ter o direito de ser quem sou! Não recuso o limite, as dificuldades, a crise... São realidades humanas que nos tocam e nos ajudam..."
E por fim quero ainda dizer que tenho essas anotações e muitas outras no meu caderninho... Talvez ele não falado exatamente assim. Mas é assim que tenho anotado e copiei o que ele dizia...
Tem pessoas que não deviam morrer. Mas como isso não é possível, pelo menos que essas “parábolas” fiquem registradas eternamente. Porque não é justo que se perca tanta sapiência.  Quantos anjos e santos/as no meio de nós... Assim, simples! Anonimamente....
Inêz Terezinha Maciel

Um comentário:

Aprendendo sempre! disse...

Adorei esse seu texto, Inês Maciel, falando desse poço de sabedoria que era o padre Ceolin! Emocionante! até as lágrimas... Seria ótimo se vc conseguisse colocar isso tudo num livro... ou pedir a alguém (pode ser o Ita) para razer isso. Muita gente se beneficiaria, com certeza!
Beijos, querida!