sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tempo do Natal - Batismo de Jesus

A compaixão é o cumprimento de toda a justiça
Local onde Jesus foi batizado, no rio Jordao
O hábito batizar as crianças logo que nascem não pode obscurecer nossa inteligência e nos levar a esquecer que o batismo pregado e realizado por João Batista não gozava de estima junto às autoridades religiosas. Esta prática não lhes parecia ortodoxa. Tinha conotações de insubordinação e de inovação claramente inaceitáveis, claramente contrárias aos interesses e à doutrina do templo. A festa do batismo de Jesus nos ajuda a compreender mais claramente o sentido deste rito cristão.
Os doutrores da lei ensinavam que os incontáveis pecados do povo ignorante suscitava a ira de Deus, que havia fechado o céu e encerrado sua comunicação com a humanidade. O povo estava acostumado aos anúncios ameaçadores e à violência simbolizada na quebra da cana rachada e na extinção da frágil luz das velas... A lei judaica dizia que só o templo e seus agentes autoizados, mediante sacrificios e holocaustos, poderia lavar culpas e perdoar pecados.
João Batista ousa contrariar estas prescrições e práticas. Proclama que Deus não cobra nada para perdoar, e anuncia que a água abundante do rio Jordão lava as culpas que pesam sobre as costas dos mais pobres. Pede que se aproximem todos aqueles/as que desejam endireitar as estradas da própria vida e da sociedade, que querem “verter” sua vida noutra direção e reestabelecer a justiça. Como os três magos mostraram claramente no natal, João Batista recorda, muitos anos depois, que caminhos da graça de Deus n­ão passam necessariamente por Jerusalém e pelo templo...
Uma multidão de gente cansada e abatida, vergada sob o peso de uma canga de leis e condenações, acorre a João num lugar perdido à beira do rio Jordão. Gente humilde e humilhada, pobre e empobrecida, ignorante e ignorada, anônima e taxada de pecadora. Gente com fome de tudo: de pão, de justiça, de beleza, de graça, de acolhida, de cidadania. Todos os habitantes de Jerusalém, da Judéia e da região do rio Jordão saem à procura do profeta de hábitos simples e palavras exigentes.
Já adulto e prestes a assumir sua missão pública, Jesus deixa a Galiléia e vai à procura de João Batista em meio a essa gente, anônimo, na mesma fila, com os mesmos sentimentos. Ninguém percebe nada de diferente. Como tantos/as outros/as, também ele deseja endireitar caminhos, nivelar colinas, eliminar desníveis. Ele quer chamar o centro para a periferia e a periferia para o centro e preparar um povo bem disposto.
João pressente nessa atitude algo radicalmente novo, uma atitude que lhe parecia em desacordo com as práticas usuais. Percebe que está em curso uma inversão revolucionária. “É eu que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” Mas o Batista descobre que a justiça não pode ser realizada parcialmente. A encarnação de Deus deve atingir a humanidade em sua dimensão mais profunda: ele entra na fila dos pecadores de todos os tipos, se confunde e identifica com eles.
De muitos modos, especialmente na sua solidariedade com os excluídos, Jesus Cristo manifestou ao mundo a compaixão de Deus, sua incrível capacidade de padecer-com, de assumir o lugar dos últimos, das vítimas. Mas é também exatamente por isso que, no seu batismo, a voz do Pai diz que este filho é também a expressão mais profunda e gloriosa da sua complacência, do seu prazer, da realização plena do seu ser. Deus não é apenas compaix­ão mas também complacência!
Por que o Pai ama e se agrada do Filho? Porque Jesus passa no mundo fazendo o bem, mostrando que Deus não discrimina pessoas ou religiões. E faz isso assumindo o caminho do serviço, o papel de Servo. Ele revela a paternidade de Deus recriando os vínculos que irmanam a todos, começando pela acolhida dos últimos. Bem diferente do porta-voz que, anunciando os terríveis decretos do rei, simbolicamente quebrava uma cana e apagava uma vela...
Deus querido, Pai e Mãe dos homens e mulheres que aceitam o desafio de renascer da água e do Espírito, do sonho e da Palavra: te agradecemos porque nos acolhes como filhas e filhos amados, como servos e servas deste povo que amas. Conserva-nos no caminho do teu Filho, para que sejamos o próximo de uma gente que se sente cana vergada e pavio que se esvai. Faz de todos/as os/as batizados/as fator de aliança dos fracos, instrumento de justiça para quem está perto e quem está longe. E não nos deixes cair na tentação de uma justiça parcial ou superficial. Assim seja! Amém!


Pe. Itacir Brassiani msf

(Isaías 42,1-7 * Salmo 28 (29) * Atos dos Apósatolos 10,34-38 * Mateus 3,13-17)

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