Ele
me chamou para ser ministro da justiça!
Aqueles
eram tempos de idealismo, um pouco pueril, um pouco ousado, muito juvenil. Não era
uma questão de anos de vida – eu tinha 27! – mas a característica de uma época,
de um tempo de contestação e de construção. Por ninguém resiste aos ventos contrários
ou edifica algo sério sem uma overdose de idealismo e de utopia.
Entre
tanta gente querida – amigos e amigas, colegas de caminhada, familiares –
estava o saudoso Dom José Gomes. Ele presidiu a celebração e, pelas mãos dele,
a Igreja me acolheu e ordenou a servir o povo de Deus. Era sincero o meu desejo
e meu compromisso publicamente assumido e liturgicamente celebrado, embora mal
imaginava as consequências, e aprenderia a duras penas que a contradição –
também em nível pessoal! – faz parte da nossa pobre história.
Nas
inesquecíveis jornadas de estudos da Sagrada Escritura que o Instituto
Missioneiro de Teologia nos oferecia, um texto da profecia de Isaias ressoava
fortemente em minha alma juvenil, e acabei elegendo-o para iluminar aquele
momento especial: “Eu, javé, chamei você para o serviço da justiça, tomei-o
pela mão, e lhe dei forma. E o coloquei como aliança de um povo e luz das nações...”
(42,1-9).
Do
Evangelho de Jesus de Nazaré, naqueles verdes anos eu identificava como
especialmente sugestiva e provocativa para o ministério presbiteral a parábola do
bom samaritano (Lucas 10,25-37). Dom José, pessoalmente comovido, sublinhava: missão
do padre é deixar a tranquilidade do culto e do templo, percorrer as estradas
do mundo, onde muita gente é assaltada em sua dignidade e violentamente
expropriada; descer das montarias e hierarquias para fazer-se próximo de quem está
ferido; e carrega-los, se preciso for, nas próprias costas...
30
anos se passaram, mas o caminho imaginado pelo profeta Isaias e encarnado pelo
Servo Sofredor continua aberto, solicitando meus passos menos ligeiros e mais
incertos. E a ordem de Jesus, depois de descrever a ação compassiva, solidaria e
transgressora daquele personagem proscrito pelos judeus, continua ressoando com
timbre de sino de aldeia nos meus ouvidos já não mais tão atentos: “Vai e faz o
que ele fez!”
Já
não tenho tantas certezas sobre minha fidelidade a esse mandato. Aprendi a
duvidar das grandes e solenes promessas, especialmente das minhas. Descobri que
a utopia do Reino tem um calendário mais lento do que, na minha impaciência,
desejava que tivesse. Aprendi que o Reino de Deus é algo a ser construído, mas
também a ser desejado, acolhido e celebrado. Estou entendendo, pouco a pouco,
que não podemos tudo, e isso é bom. E que, nessa história, bela e única, tudo
padece de ambiguidade, inclusive a Igreja e eu.
Mas
isso não significa mais cansaço e menos ânimo: apenas mais gratidão pelo que os
outros – tantos e tantas! – são e fazem por mim, antes de mim, mais que eu; mais
reconhecimento à importância indescritível dos Missionários da Sagrada Família
neste meu já longo aprendizado; gratidão profunda a Jesus de Nazaré, que quis
me aceitar, e continua aceitando, entre os seus muitos discípulos e discípulas,
titubeantes e generosos peregrinos, e permanecer fiel na sua amizade.
Obrigado,
Senhor, por estes primeiros 30 anos de ministério na tua amada e ambígua Igreja!
Obrigado, amigos e amigas, pela generosa amizade, pela indispensável compreensão,
pelo fraterno estímulo, pela restauradora companhia. Vamos juntos, degustando
gole a gole o vinho dos próximos 30, percorrendo passo a passo a estrada do
amadurecimento e do testemunho, rezando conta a conta o rosário do bem-viver?
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário