Procuremos o rosto de
Deus e acolhamos sua Palavra!
O caminho
da vida cristã inaugurado por Jesus Cristo, autenticamente humano e plenamente
divino, é, acima de tudo, a via do amor e do serviço. E quem ama não foge do
sofrimento, pois ele não se opõe ao amor. O amor é sempre exigente! Na prisão,
Paulo experimenta isso na própria carne, mas vive o sofrimento por amor como
graça, e pede que participemos do seu sofrimento pelo Evangelho. É nesta humana
capacidade de sofrer por amor que se esconde a maior glória que podemos
desejar. Uma vida levada adiante como amor e serviço traz em si a vitória sobre
a morte e o brilho da imortalidade!
No
segundo domingo da quaresma, somos convidados a meditar sobre a transfiguração
de Jesus. Depois de ter perguntado aos discípulos o que o povo pensava sobre
ele, e depois de ter ouvido que a maioria o via como profeta, Jesus interroga os
próprios discípulos, e ouve de Pedro uma resposta que aponta para um
messianismo que exclui a vulnerabilidade: “Tu és o Messias, o Filho do Deus
vivo!” Nessa profissão de fé formalmente correta se escondem ideias e expectativas
bastante contraditórias, e Jesus sente necessidade de esclarecer esse
messianismo marcado pela ideia de poder.
Então,
Jesus se propõe a corrigir atenta e demoradamente as expectativas de sucesso e
honra que povoam a mente e o coração de Pedro e dos demais discípulos: “Se
alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois
quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa
de mim, vai encontrá-la” (Mt 16,24-25). Mas parece que eles não conseguem escutar
e compreender o que as insistentes palavras de Jesus significam. Como é difícil
mudar uma mentalidade religiosa fechada e um ideal político ambicioso!
Seis dias
depois dessas tensões e lições, ocorre o episódio que conhecemos como transfiguração
de Jesus. O núcleo central da passagem está mais na dimensão auditiva (a
palavra que ressoa desde o interior da nuvem) que no aspecto visual (o brilho
forte como o do sol e a brancura brilhante como a da luz). É verdade que a
mudança no aspecto visual de Jesus chama a atenção dos discípulos e provoca
entusiasmo. Eles até desejam prolongar no tempo esta experiência. Como sempre,
experiências de poder e da glória tranquila, fugaz e mortal que as acompanham
costumam embriagar e podem levar ao fanatismo. Mas parece-me claro que a
narração focaliza a voz que vem da Nuvem.
Ademais, Jesus
aparece acompanhado por Elias e Moisés e conversa com eles. Os personagens que
aparecem e dialogam com Jesus são dois ícones da história do povo de Israel:
Moisés, que lembra o êxodo libertador, e Elias, que recorda a profecia
corajosa, radicada na experiência de um Deus que caminha com seu povo mas não
se deixa prender em nenhuma imagem. Qual seria o conteúdo desta conversa?
Parece ser o anseio de liberdade e a necessidade de profecia. Mas os discípulos
não parecem interessados nisso. Eles se deixam seduzir pelo brilho da cena e
fecham os ouvidos ao que se fala.
A nuvem
tenebrosa e luminosa que envolve os discípulos embriagados recorda o êxodo, a
longa e exigente travessia da escravidão à liberdade. Se antes eles estavam
achando tudo muito bom e bonito, caem no chão e são tomados pelo medo quando a
nuvem os envolve. Parece que o temor aumenta quando ouvem a voz que ordena:
“Este é o meu filho amado, nele está o meu pleno agrado: escutai-o!” Nenhum
discípulo de Jesus pode pretender menosprezar a lição de um Deus que se deixa
crucificar por amor. A Palavra que ressoa em Jesus é encarnação, compaixão, esvaziamento,
aproximação.
O
intimismo e o espiritualismo que costumam envolver e acompanhar muitas
experiências religiosas podem ser perigosos quando pretendem a esconder a
indiferença para com a sorte dos oprimidos – começando com o descaso com os
biomas – e a letal aliança com o poder das elites. A tentação de construir
tendas, templos e palácios em lugares inacessíveis aos simples humanos sempre
ronda a Igreja, e nem Pedro e seus sucessores estiveram imunes a ela. É preciso
descer da montanha, sair dos templos, livrar-se da sedução do brilho, ganhar as
ruas e não esquecer a lição da solidariedade!
Deus Pai e Mãe! Aqui viemos para escutar a Palavra e compreender
o Caminho do teu Filho. Ajuda-nos a acolhê-los, com o sincero desejo de sermos
parceiros dos homens e mulheres nos seus sonhos e lutas, de acolher e defender
a integridade dos biomas brasileiros. Não nos deixes cair na tentação de armar
piedosas tendas longe das dores das vítimas e dos clamores dos pobres e sofredores.
Toca delicadamente nosso ombro, espanta o medo que nos aprisiona, e
levanta-nos, para que desçamos da montanha revestidos da coragem dos profetas e
da esperança dos sonhadores. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Genesis 12,1-4 *
Salmo 32 (33) * Segunda Carta a Timóteo 1,8-10 * Evangelho de São Mateus 17,1-9)
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