Eu creio num mundo
novo, pois Cristo ressuscitou!
Como
fazemos quando falece uma pessoa querida, neste sábado reunimo-nos em vigília
para ruminar a dor da perda, recapitular uma história, regar as frágeis
sementes da nossa esperança. A escuta atenta e ritmada da Palavra que cria e
sustenta a vida e a esperança pode nos ajudar neste tempo de espera vigilante e
de decisões responsáveis. As vigílias sempre têm o objetivo de nos ajudar assumir
a herança humana e espiritual de quem partiu, a levantar o olhar, a contemplar
o horizonte...
Sendo
recordação, a vigília é também saudade, espera e vazio: o vazio da libertação
perdida, do desejo de plenitude prometida, do futuro que é espera. É também um
dolorido processo de despojamento dos estreitos conceitos, ambíguas ambições e
despóticos senhores, a fim de purificar nosso olhar e sintonizar nossa vida com
o Divino Mistério. Deus assume esse vazio e nele faz sua morada! No início de
tudo, o Espírito pairava sobre a terra informe e vazia... Pelo batismo, fomos
sepultados com Cristo...
O vazio
da sepultura não comprova a ressurreição, mas nos ajuda a intuir que os corpos
torturados e sepultados dos profetas não são a última palavra de Deus sobre a
história. Na sepultura vazia, mulheres e anjos ensinam que o caos do lixo pode
dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a
pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados
caminham à nossa frente rumo às fronteiras, onde novas possibilidades estão em
gestação...
É verdade
que o Dia ainda não amanheceu plenamente e a liberdade não alcançou todos os
seres humanos. Mas os guardas do sistema tremem diante do vulto de mulheres e
de homens que caminham corajosamente. O poder sobre a vida e a morte não está
mais nas mãos deles! Precisamos nos abrir às novas possibilidades escondidas nas
pessoas e nos caminhos da história, vibrar de alegria e sair correndo para
anunciar aos outros esta Boa Notícia: “Ele não está aqui! Ressuscitou, como
havia dito!”
As
mulheres madrugadeiras nos ensinam que os sinais palpáveis da ressurreição só
podem ser tocados na periferia – “ele vai à vossa frente para a Galiléia. Lá
vós o vereis!” – ou numa Igreja em saída – “Ide anunciar aos meus irmãos que se
dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão...” É neste caminho missionário que
as duas mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas pedindo
que se alegrem e não tenham medo. O lugar onde ele esteve antes perde
importância diante do lugar onde ele está agora!
Como
cristãos, somos chamados a completar em nossos corpos os sofrimentos de Cristo,
a prolongar os sinais do esvaziamento por amor e a fazer germinar as sementes
do Reino de Deus. A ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas
iniciativas dos discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e
movimentos. Os sinais são pequenos, mas reais e promissores. Como naquela
parábola, a semente é pequena, mas tem um impressionante dinamismo de
crescimento.
O batismo,
recordado nesta vigília, expressa este dinamismo pascal na vida de cada um de
nós e da comunidade eclesial. Nele, dizemos que por Cristo, com Cristo e em
Cristo fomos mortos e sepultados para os interesses egoístas e nascemos para
uma outra realidade. Mortos para a lei que nos pede para levar vantagem em tudo
e fechar os olhos à destruição do meio ambiente, somos livres para começar uma
vida nova, no caminho aberto por Jesus Cristo. Morreu o velho homem, nasceu uma
nova criatura!
Jesus é
como uma pedra que os construtores descartaram e foi por Deus transformada em
pedra de ângulo, em pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por
isso, a Páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos
sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como incômodos.
Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos eclesiais,
nossa fé é construção sobre a areia, nosso amor pode virar patologia e nossa
utopia se deteriora em ideologia.
Deus Pai e Mãe, que nos criastes com a dignidade de
filhos e filhas e nos chamais à verdadeira liberdade. Aqui estamos com as mãos
calejadas nas semeaduras e os corpos grávidos de louca esperança. Aqui viemos
sem perfumes, trazendo apenas as marcas das lutas que travamos. Tua Palavra
confirma que teu desejo é que todos tenhamos liberdade e vida. As testemunhas
da primeira hora nos ensinam que teu filho vive e marcou encontro conosco longe
dos sedutores centros de poder. Ensina-nos a afagar a terra e fecundar o chão,
nesta propícia estação de renascimento. E que todos vivamos para universalizar
a liberdade para a qual Cristo nos libertou. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do
Gênesis 1,1-2,2 * Livro do Gênesis 22,1-18 * Êxodo 14,15-15,1* Profecia de Isaías
51,1-11 * Profecia de Ezequiel 36,16-28 * Carta aos Romanos 6,3-11 * Salmo 117
(118) * Evangelho de São Mateus 28,1-10)
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