Não somos chamados a
julgar e condenar, mas a amar e servir!
Não faltam entre
nós pessoas que se comprazem em culpabilizar as vítimas e alforriar os algozes,
nem pessoas que querem nos convencer-nos de que as tragédias que se multiplicam
não passam de fatalidades imprevisíveis. E isso não só em relação à recente
tragédia de Suzano. E há muita gente resiste a encarar e dar nomes aos males
que nos rodeiam e com os quais às vezes colaboramos. O conhecimento e o
reconhecimento dos fatos e das pessoas supõem abertura, sensibilidade,
conversão. Somos como Moisés que, num primeiro momento, só consegue ver
ovelhas, pastagens, trabalho, projeto pessoal de vida.
Deus irrompe
na vida de Moisés a partir do sofrimento do seu povo. Este sofrimento profundo,
intenso e real é simbolizado no fogo. Deus chega dizendo, quase aos gritos, que
está vendo a opressão do seu povo, que os sofrimentos dele ferem seu coração e
os clamores ferem seus ouvidos, que desceu para fazê-lo subir. É como se Deus
dissesse a Moisés: ‘E você não vê nada, não escuta nada?’ E, como diz São
Paulo, isso foi escrito para nos orientar! Nosso ver e nosso julgar podem estar
a serviço de uma determinada ideologia ou por ela condicionados, de modo que
vemos algumas coisas e estamos cegos para outras
Esta questão
está bem ilustrada no episódio narrado por Lucas, no evangelho do terceiro
domingo da quaresma. O contexto mais amplo é o ensino de Jesus sobre a missão
profética e solidária dos discípulos e sobre a necessidade de interpretar
corretamente os sinais dos tempos. Alguns fariseus interrompem a catequese de
Jesus trazendo a notícia de que um grupo de galileus rebeldes fora assassinado
por Herodes no templo. É evidente que com isso o grupo dos fariseus quer
censurar e advertir Jesus, como se dissessem: ‘Continue assim, e verás o que
acontecerá contigo! Não esqueça que Herodes e Pilatos estão atentos’
Mas por trás
disso está também uma acusação às próprias vítimas: no entendimento dos
fariseus, sabendo ou não, Herodes representaria a mão de Deus, que pune aqueles
que, de alguma forma, são culpados. Esta é uma interpretação terrível de fatos
em si mesmo trágicos! Jesus reage criticando o preconceito dos fariseus frente
aos galileus e questionando a leitura justificadora e irresponsável que eles fazem
dos fatos. E o faz chamando à memória dos discípulos e fariseus outra
ocorrência, conhecida de todos: a queda de uma torre que resultou na morte de
18 judeus em Jerusalém.
Com firmeza e
lucidez Jesus enfrenta, ao mesmo tempo, as tentativas que querem demovê-lo da
decisão de prosseguir sua missão profética e a teologia cínica elaborada e
ensinada pelos defensores do templo.
Afirmando que somos todos pecadores, que estamos sujeitos a errar ou a
não atingir a meta de uma vida justa, Jesus nos convida a deixar a cadeira de
juízes e abrir os olhos para uma realidade que é mais complexa que a simples divisão
entre ‘pessoas de bem’ e ‘gente que não presta’. Ele nos chama a reconhecer
nossos próprios erros, mas sem fechar os olhos aos pecados estruturais.
Em relação ao
tema da Campanha da Fraternidade que
vivemos na Quaresma, os Bispos do Brasil dizem que “cabe às Políticas Públicas
o papel de reparação das iniquidades, com a oferta de bens e serviços públicos
que rompam com a exclusividade do poder do dinheiro no atendimento das
necessidades humanas”. Por trás de algumas feridas que doem na vida do povo
está o império do dinheiro, o poder dos capital de uns poucos e as decisões de
governantes que a eles se submetem. A culpa não é das vítimas!
A mensagem
mais forte da liturgia do terceiro domingo da quaresma é o apelo à conversão,
que começa com uma mudança no nosso modo de ver a realidade e de julgar os
fatos e as pessoas. A conversão não se faz aos saltos, nem de uma vez para
sempre. ‘Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão é missão de cada
dia.’ A conversão começa em Jesus, que nos ama de forma incondicional e aposta
nas nossas possibilidades e na nossa vontade. Mesmo não vendo os frutos
esperados e tendo motivos para não esperar qualquer mudança, ele se dispõe a
adubar o terreno com sua palavra e seu próprio corpo.
Jesus de Nazaré, Filho da Humanidade e
Filho de Deus! Não nos deixes cair na tentação de pensar que as políticas
públicas não tem nada a ver com nossa fé e de culpar as vítimas pelas próprias
misérias. Que cada um de nós, nossas comunidades e movimentos, partindo da
certeza de que Deus, teu e nosso pai, é lento e suave na cólera, mas rápido e
estável na bondade, não tratemos com dureza as vítimas. Aduba nossa vida com
tua Palavra, teu Corpo e teu Sangue, para que possamos dar os frutos esperados.
Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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