Os pobres são os juízes
da vida democrática de uma nação!
Esta afirmação
parece extraída de um panfleto distribuído por movimentos sociais em uma de
suas manifestações. Entretanto, é parte da reflexão que os Bispos do Brasil nos
propõem para esta quaresma. Segundo a CNBB, as políticas públicas devem sempre
levar em conta o princípio do bem comum e privilegiar os mais pobres, “pois a
existência de milhões de empobrecidos é a negação da ordem democrática. A
situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça, a
moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes
da vida democrática de uma nação” (Texto-base da CF, nº 181).
A realidade
política, social e cultural que vivemos hoje no Brasil é muito semelhante
àquela que Jesus evidencia no evangelho: são dois filhos do mesmo pai, mas o
filho mais velho reclama seus méritos, acusa quem vive miseravelmente e não o
reconhece como seu irmão. Há quem bata panelas cheias e proteste contra a
inclusão de gente historicamente excluída. Mas Jesus age como uma espécie
de transgressor, beneficiando pessoas que não pertencem ao judaísmo (7,1-10;
10,25-37), acolhendo outras de má fama (5,27-32; 7,36-50), ajudando as que são
consideradas impuras (4,38-39; 5,1-16; 7,11-17; 8,26-56).
O filho mais
jovem da parábola representa exatamente estes pobres e excluídos, menosprezados
e perseguidos pelo mais alto mandatário do país. Uma leitura apressada e
moralista da parábola põe a atenção na controversa atitude do filho mais jovem:
pedir a parte da herança à qual tem direito; esbanjar tudo imprudentemente;
arrepender-se e voltar à casa do pai. O mais importante na parábola, porém, é a
alusão à situação em que vivem aqueles com quem Jesus se solidariza: são como desempregados
num país estranho; mendigam para sobreviver; são tratados pior que os porcos,
mas são os que denunciam e julgam a nação!
Com esta
parábola, Jesus quer chamar a atenção para a figura do pai, sacramento da ação
de Deus. Sua bondade supera uma justiça que se restringe a dar a cada um aquilo
que, segundo a lei ou os costumes, lhe corresponde e, ‘tomado de compaixão’,
corre ao encontro do filho necessitado, abraça-o, veste-o e beija-o. O pai não
se importa com o refrão ensaiado por aquele que não é mais reconhecido como
gente, tanto que sequer permite que o recite até o fim. Para o pai
misericordioso, aquele resto humano nunca deixou de ser seu filho, e isso é o
mais importante, o que realmente importa.
Deus não trata
ninguém como empregado, muito menos como estrangeiro ou devedor. Ele não é
contador, nem juiz! Todos são filhos e filhas, e podem usufruir
incondicionalmente da sua acolhida e dos seus bens. Na sua casa há lugar para
todos! Para os filhos e filhas maltratados e mais necessitados ele reserva as
melhores túnicas, o anel com o brasão da família e a festa com carne do novilho
mais gordo. No seu projeto, ninguém é excluído nem padece fome. No plano do
Pai, as políticas sociais em favor dos pobres e vulneráveis ocupam o primeiro
lugar! E isso mesmo que seja verdade que o fim da miséria seja apenas o começo.
Mas
infelizmente existem cristãos que, por ignorância ou por maldade, murmuram
contra a proposta de um mundo diferente e acusam os que ousam ensaiá-lo.
Representando os fariseus e escribas, o filho mais velho é o protótipo do
cidadão e do crente preconceituoso e observante das leis. Não lhe falta nada e
tem tudo em abundância, mas não esconde que, frente a Deus, se sente credor.
Não consegue disfarçar sua raiva diante de um pai que acolhe generosamente o jovem
inquieto e necessitado de tudo. Ofende o próprio pai, acusando-o violentamente
de ser parcial, injusto e avarento.
O filho mais
velho não reconhece aquela criatura miserável e necessitada como seu irmão.
Discutindo com o pai, refere-se a ele como ‘esse teu filho’. Mas o pai, depois
de afirmar que os bens que julga seus na verdade lhe foram doados, insiste que
aquele não-cidadão acolhido com festa é ‘teu irmão’. A solidariedade faz da
humanidade uma família onde todas as pessoas se reconhecem e protegem
mutuamente, e a ação contra a exclusão está intimamente associada à criação e
recomposição dos laços sociais, laços de humanidade, ao nascimento como nova
criatura, que desconhece a cínica fronteira entre “homens de bem” e “os
outros”.
Jesus de Nazaré, peregrino no santuário das dores e esperanças humanas:
desejamos ardentemente sentar à mesa do teu Reino, entre os pobres resgatados e
os fiéis agraciados. Livra o nosso país da violência e da apartação social, do
opróbrio da discriminação e da necessidade de mendigar direitos humanos. Infunde
em nós a generosidade daquele pai com um coração de mãe, para que saiamos ao
encontro dos oprimidos e os acolhamos festivamente, compartilhando com eles a
palavra, a mesa e a missão. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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