Pão ou aço?
Combinando o tema da Campanha da
Fraternidade de 2019 (CF/2019), Fraternidade
e políticas públicas, com a recente tragédia de Brumadinho, vem à tona o
subtítulo da obra do estudioso Josué de Castro (Geografia da Fome, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010)
– O dilema brasileiro: pão ou aço!
A formação do Brasil assenta-se sobre o
tripé do latifúndio, da monocultura de exportação e do trabalho escravo. São ao
mesmo três chaves para ler a história do país, três bússolas para orientar o
presente e três faróis para guiar as opções de uma futura política econômica.
Desde os chamados ciclos econômicos – pau-brasil, açúcar, algodão, cacau, ouro,
café – até os dias atuais, com a produção de carne, de soja, de milho, de
minério de ferro, etc., o Brasil se especializou como produtor e exportador de
matérias primas para os países centrais. Especialização que, no decorrer dos
séculos, mudou de produto sem mudar o sistema de drenagem para o exterior.Tomando
como exemplo o minério de ferro (entre outros), sua extração e exportação gera
uma certa quantidade de empregos, sem dúvida, mas os postos de trabalhos mais
qualificados ficam por conta dos países que agregam valor às matérias primas.
Além disso, como ficou claro pelos
exemplos de Mariana e Brumadinho, as condições da extração não oferecem um
sistema de segurança compatível com o gigantismo da empresa e de seus ganhos.
Em lugar de proteger os trabalhadores e suas respectivas famílias e de garantir
a preservação do ecossistema e do meio ambiente, privilegia-se o acúmulo de
renda e capital. No modo de armazenar os rejeitos, opta-se pela barragem
reforçada a montante e não a jusante, seguindo assim a maneira mais barata de
fazê-lo, o que vale dizer, a melhor forma de maximizar os rendimentos líquidos.
Na contramão do que diz afirma o ensino social da Igreja, o capital acaba tendo
primazia sobre o trabalho. Sacrificam-se as pessoas em prol dos lucros.
Daí o dilema quem vem de longe e foi
ressaltado por Josué de Castro: pão ou aço! Ambos aqui adquirem um significado
figurado. Enquanto o pão representa
não apenas o alimento, mas tudo o que o ser o homem/mulher precisa para
manter-se de pé como ser humano e manter uma justa dignidade para a própria
família, o aço tem a ver não apenas
com o minério de ferro em si, mas também com o montante em moeda corrente que
ele capitaliza para a empresa e o Estado. A partir dos desastres já ocorridos e
de tantos outros anunciados, constata-se que a política pública para a
mineração se preocupa em primeiro lugar com a riqueza, e somente em segundo
lugar com a vida, seja esta humana, animal ou vegetal. Ou melhor, com a
biodiversidade. Entretanto, a constatação vai bem mais longe: semelhante
riqueza, longe de beneficiar os seus produtores diretos e os cidadãos de todo o
país, acaba concentrando-se no pico da pirâmide econômica e social, deixando os
moradores da base com as migalhas e as sobras. E, em casos extremos, com o
rastro de cadáveres, feridas, cicatrizes, abandono e muito sofrimento.
O dilema “pão ou aço!” permanece vivo e
ativo. Os estratos sociais ligados à força do aço enquanto renda e capital
sabem como infiltrar-se nos corredores obscuros e tortuosos da administração
pública. Conhecem bem a matemática para orquestrar o lobby, o balcão de
negócios, o toma lá dá cá – em vista da perpetuação de seus privilégios e
benesses. Estão perfeitamente cientes de que o poder chama riqueza e esta
reforça aquele. Já os estratos de baixa renda, que ajudaram a eleger seus
representantes, assistem inermes e impotentes à sua deserção na luta pela ética
na política e no empenho pelo bem comum. Trata-se, em última instância, dos
esforços para conseguir para todos o “pão nosso de cada dia”. Por que nessa
luta os políticos e autoridades saem de campo no meio do jogo? Simples, porque
para eles o resultado positivo vem por antecipação. Diga o que disser, o placar
é sempre enganoso. Aos torcedores, apinhados nas arquibancadas, resta esperar
pelo gol da salvação, ou melhor, pelo milagre das migalhas. Em lugar de
políticas públicas, se tiverem sorte, serão alvo de políticas compensatórias.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Rio de Janeiro, 19 de março
de 2019
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