sábado, 1 de novembro de 2025

Finados

Quando a luz do dia se apagar para mim

A passagem do Dia dos Finados é uma oportunidade propícia para recordar, de forma agradecida, as pessoas que nos precederam e, ao mesmo tempo, de perguntar-nos como queremos viver e como estamos vivendo. Vivemos como criaturas ameaçadas pela noite escura e vazia ou como quem espera um encontro e um abraço afetuoso?

Recordemos as pessoas com quem convivemos e deixaram marcas em nossas vidas. Mas não falemos delas apenas como sentidas ausências, mas também como presenças vivificadoras. Elas são presenças porque estão vivas em Deus e em nossa memória pelo amor que lhes dedicamos, nos frutos positivos que semearam enquanto viveram aqui.

Apesar de ser algo tão certo quanto inevitável, não é fácil falar da morte. Hoje ela é quase um tabu. Tende a ser disfarçada e escondida. Evitamos falar dela, mesmo que esteja vivamente presente em nosso círculo de relações. Evitamos pensar e conversar sobre nossa própria morte, ainda que seja o único evento certo que nos aguarda no futuro.

Mas viver ameaçados pelo medo da morte é uma aventura nas sombras, o que contradiz nossa vocação cristã de filhos da luz. Para os cristãos, a morte é um passo para a comunhão plena, o passo final para o qual damos os anteriores. Por isso, a morte não deve ser temida, mas preparada como passagem para dimensões mais plenas de vida.

Como cristãos, podemos e devemos olhar a morte de frente, porque a olhamos com esperança, com a certeza de que ela não é um muro ou um precipício, mas uma porta. Tendo passado por ela, Jesus nos ensina a prepara-la e acolhe-la com inteireza, pois ela nos conecta com nossa finitude e nos ajuda a viver com autenticidade honrando a vida.

Convido você a rezar comigo o belo poema do escritor tcheco Jakub Deml, falecido em 1961: “Quando eu estiver deitado no meu leito de morte, é isso que eu peço, Mãe de Deus: apaga tu a lâmpada do meu coração. Jesus Cristo, luz eterna, eu te imploro, pela tortura amarga da tua morte, que, quando a luz do dia se apagar para mim, atravesses comigo os abismos da morte perigosa. Que teu coração, como a lua cheia e a hóstia branca, ilumine a paisagem da minha transição deste tempo para a eternidade”.

Dom Itacir Brassiani msf

 DBispo de Santa Cruz do Sul

Como vigias

A vida não nos é tirada, mas transformada

885 | 02 de novembro de 2025 | Lucas 12,35-40

O texto do Evangelho escolhido para iluminar a comemoração dos fiéis defuntos enfatiza a espera vigilante. Jesus se dirige aos discípulos e discípulas, e sua fala está marcada pelo contexto de crise da espera e do esmorecimento da confiança que os discípulos da comunidade de Lucas enfrentavam com a demora do “retorno” de Jesus. Sabemos que a esperança é essencial para quem segue Jesus, e o Ano Santo vem para reforçar isso. Ninguém pode “baixar a guarda” ou perder o rumo e o gosto de viver, mesmo quando a partida das pessoas queridas deixa um vazio imenso.

Jesus ilustra esta expectativa confiante recorrendo a duas imagens (o cinto amarado na cintura e as lâmpadas acesas durante a noite) e com três parábolas. Para esperar adequadamente o retorno do patrão da festa de casamento, o pessoal da casa deve estar devidamente preparado: acordado, com as lâmpadas da casa acesas e com o cinto apertado; sem nenhum obstáculo que possa dificultar ações rápidas. E isso mesmo se o chefe da casa demorar. Assim, podem abrir a porta, sem demora nem obstáculos. Nenhuma coisa ou causa pode nos desviar desse foco. São Paulo repete que somos filhos do dia, que nossa vocação é viver acordados.

Se Jesus partiu, ele voltará, pois não foi embora. Disso os discípulos não podemos duvidar. Mas também não podemos esperar passivamente, “jogando-se nas cordas”. Precisamos ser como o pessoal da casa da parábola. Jesus foi celebrar a aliança, e crer nele significa ser uma Igreja em saída, mover-nos numa fé vigilante a ativa no serviço aos irmãos e irmãs, com prioridade a quem mais precisa. É ela que acende luzes na escuridão e aperta nossos cintos para que possamos caminhar com segurança, uma vez que somos chamados a ser peregrinos de esperança.

Também com nossos entes queridos há um encontro desejado e previsto, mesmo que não saibamos quando, como e onde. Não parece razoável ficar à espera de possíveis sinais e manifestações de “almas” que perambulariam por aí. A saudade que acende em nós o ardente desejo desse encontro não pode nos induzir a viver despreocupados ou apenas resignados, esperando o tempo passar. Assim, viveremos vigilantes na medida em que damos em tudo o melhor de nós mesmos, e não abandonamos o que de melhor nos deixaram as pessoas que partiram.

 

Sugestões para a meditação

§ Acolha deste texto as luzes e estímulos que você necessita para viver responsavelmente e esperar realisticamente

§ Recorde agradecido o nome, o rosto, a história e a melhor herança deixada pelas pessoas queridas que partiram

§ Tendo presente esta herança e o testemunho de tantos cristãos, como você honrar a vida e não apenas sobreviver, honrar seus falecidos e não apenas lamentar?

§ Como não reduzir o “dia dos finados” a um dia de tristeza, lamento e revolta contra Deus ou o destino?

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Todos os santos e santas

A santidade brota da perseverança na compaixão

884 | 01 de novembro de 2025 | Mateus 5,1-12

Buscamos as bem-aventuranças, que fazem parte da primeira grande pregação catequética de Jesus no evangelho segundo Mateus, luzes para iluminar a solenidade de todos os santos e santas. Depois da experiência forte por ocasião do batismo e da experiência crucial das tentações no deserto, Jesus inicia sua pregação na Galileia, e chama os primeiros discípulos. Ele percorre a região “pregando o Evangelho do Reino e curando toda doença e enfermidade do povo” (Mt 4,23).

A cena das bem-aventuranças começa mostrando que Jesus vê diante de si as multidões e age como mestre e formador de seguidores. Tendo os discípulos e o povo cansado e abatido diante dos olhos, ele fala da novidade jubilosa do Reino de Deus, que reverte a situação de sofrimento e dominação na qual eles vivem. Ao mesmo tempo, pede o engajamento daqueles que desejam segui-lo. E não se trata, obviamente, de cumprir leis minuciosas, mas de assumir um novo estilo de vida.

Jesus evita apresentar um simples manual de procedimentos ou um conjunto de mandamentos, e prefere indicar uma direção, esboçar em traços gerais um mundo bom e alternativo, uma comunidade-semente, um caminho de felicidade compartilhada e duradoura. E oferece várias ilustrações para nos ajudar a entender como podemos acolher a vontade de Deus, o Reino de Deus. Mas precisamos sublinhar que não se trata de uma descrição de diferentes virtudes a serem exercitadas, mas apenas de alguns exemplos das prioridades do Reino de Deus.

Estas ilustrações podem ser divididas em dois grupos de quatro: as primeiras (v. 3-6) abordam situações de opressão (pobreza, aflição, impotência e ausência de justiça) que são simplesmente revogadas com a chegada do reino de Deus; o segundo grupo (v. 7-12) apresenta um conjunto de ações humanas que brotam da acolhida da novidade de Jesus (misericórdia, integridade, promoção da paz e luta firme pela justiça). Estas são a razão e o caminho da felicidade.

Para Jesus, pobreza, opressão, injustiça e humilhação não são situações que devemos aceitar, mas algo que devemos deplorar, denunciar e superar. E a misericórdia, a pureza, a pacificação e a luta perseverante são atitudes a serem cultivadas. O Reino de Deus que ele anuncia e inicia provoca essa mudança, e não há caminho de felicidade fora do engajamento nessa mudança.

 

Sugestões para a meditação

·    Retome as bem-aventuranças uma a uma, observando o porquê da felicidade apresentada em cada aspecto

·    Podemos dizer que é nisso que reside nosso sonho, nossas aspirações, a meta de tudo o que fazemos e buscamos?

·    Em qual desses oito aspectos do caminho da santidade você precisa crescer mais? E qual deles lhe dá mais alegria?

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Hipocrisia

A vida concreta e frágil vale mais que as leis

883 | 31 de outubro de 2025 | Lucas 14,1-6

Fiel à herança profética, Jesus não muda sua prática, seu anúncio e o rumo da sua caminhada, mesmo diante da ameaça de Herodes. Segue intrépido, corajoso e generoso, sem fazer nada para se proteger. Ele se situa na linha dos profetas, e é o Pai, e não Herodes ou seus asseclas, quem vai dizer quando e como deve dar sua missão por terminada. Por enquanto, ele é quem decide, e, como sempre, não toma decisões pensando em sua própria segurança.

Dito e feito! Em pleno sábado Jesus desrespeita – de novo! – a lei e, numa refeição na casa de um dos chefes dos fariseus, cura um homem doente sem que ele tenha sequer pedido. Ignorando o olhar vigilante dos piedosos e ardilosos judeus, Jesus os provoca a tomar uma posição. Essa é a questão que atravessa a cena de hoje, cena que inaugura a seção das refeições simbólicas de Jesus que nos apresenta o evangelista Lucas (cf. Lc 14,1-24).

A pergunta de Jesus é direta: “A lei permite curar em dia de sábado, ou não?” E os fariseus guardam silêncio. Para Jesus, o reino de Deus e a defesa da vida se impõem, e não estão condicionados ao tempo e lugar. A lei inspirada por Deus visa garantir o repouso e assegurar a liberdade e a dignidade dos seus filhos e filhas de Deus. Se os piedosos judeus descumprem a lei para salvar um animal, não há razão aceitável para se opor à cura de uma pessoa necessitada num dia proibido pela lei.

Na verdade, Jesus não nega a legitimidade das leis e dos ordenamentos religiosos ou civis, mas os coloca em uma nova perspectiva. Segundo Jesus, o que fazemos sem problemas quando estão em jogo nossos interesses (evitar o prejuízo com a morte de um animal) devemos fazê-lo, mais ainda, em benefício dos seres humanos que estão em dificuldades. Nada de fossilizar ou reduzir a vontade de Deus a princípios e esquemas abstratos, afastando-os da vida concreta!

Não nos defendamos da interpelação de Jesus relegando-a ao passado. É permitido ou não aprovar as uniões homoafetivas? É lícito ou não ocupar latifúndios improdutivos? É possível compartilhar a eucaristia com cristãos de outras Igrejas? É aceitável defender a admissão de mulheres ao ministério? É possível “furar” o teto de gastos ou o “arcabouço fiscal” para atender a população desempregada, doente e sem escola, ou para amenizar os prejuízos das enchentes ou das queimadas? E as perguntas podem continuar ainda por muitas linhas...

 

Sugestões para a meditação

§ Acompanhe Jesus à casa do chefe dos fariseus, acompanhe seu olhar voltado ao homem doente

§ Perceba também o olhar vigilante e reprovador dos fariseus reunidos em torno da mesa e a indignação de Jesus

§ Será que, de algum modo, não caímos na tentação de “fossilizar” a vontade de Deus ou reduzi-la a abstratos esquemas e princípios fios e impessoais?

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Essas raposas traiçoeiras

Jesus não se deixa intimidar pelas ‘raposas’

882 | 30 de outubro de 2025 | Lucas 13,31-35

Jesus acabava de responder a quem perguntava se são muitas as pessoas que se salvam, e alertava que as portas do Reino de Deus estão abertas a todos, mas tem suas exigências. Eis que, inesperadamente, os fariseus comunicam a Jesus que ele está em perigo, que Herodes está querendo matá-lo. Será que viraram defensores e protetores de Jesus? Será que estavam preocupados com os riscos que enfrentava?

A cena está situada literariamente na segunda etapa da caminhada de Jesus a Jerusalém, e ele acabara de acusar o povo Israel de incredulidade e de elogiar ninguém menos que os pagãos. Jesus não é ingênuo. Ele percebe a falsidade dos fariseus, pois são emissários de Herodes e fazem o jogo dele, e pouco estão se “lixando” com o risco que ameaça Jesus. Ele não se deixa intimidar pelo tirano.

Jesus fala de Herodes usando uma metáfora bem conhecida da cultura brasileira. Jesus diz que o rei Herodes se parece a uma raposa, como no Brasil são qualificados os políticos interesseiros. Herodes rosna forte, mas não é um leão: ele não passa de um animal pequeno, mas traiçoeiro, violento e fedorento, cujo domínio não vai além da Galileia e da Peréia. Ele não passa de um reizinho frágil e periférico, por mais que busque o apoio da aristocracia de Israel e bajule o imperador romano.

A imagem da raposa também ajuda a compreender a metáfora da galinha e dos pintinhos. A galinha e seus filhotes são objeto preferido da violência e da voracidade da raposa. Embora Jesus tente defender e proteger o seu povo como uma galinha protege seus pintinhos, usando do seu próprio corpo, a elite de Jerusalém refuta o caminho que Jesus percorre e propõe. Mas ele continua sua missão como “bendito que vem em nome do Senhor”, curando, libertando e anunciando o Reino.

Fiel à herança profética, Jesus não muda o rumo nem o ritmo da sua missão por causa da ameaça de um reizinho decadente. Ele prossegue, intrépido e generoso, sua missão, sem se afastar uma vírgula da vontade do Pai para se proteger das ameaças dos poderosos de plantão. Ele se identifica com os profetas, mas não é uma espécie de “kamikaze” que procura a morte como ato redentor do povo e glorificador de si mesmo. É o Pai, e não Herodes ou seus asseclas, quem vai dizer quando e como Jesus deve dar sua missão por terminada.

 

Sugestões para a meditação

§ Embarque na sugestiva metáfora da raposa que ameaça a galinha e seus pintinhos, com a qual Jesus fala de Herodes e de si mesmo

§ Deixe-se impressionar pela firmeza e coragem de Jesus, que continua sua missão até e como o Pai quer

§ Perceba a hipocrisia e a falsidade dos fariseus de todos os tempos, que defendem apenas “pátria, (sua) família e (sua) propriedade”

§ O que fazer diante das lideranças (cristãs e políticas) que dizem defender o povo mais colaboram com seus opressores?

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Sem fronteiras

Manter-se no caminho perseverando no amor

881 | 29 de outubro de 2025 | Lucas 13,22-30

O evangelho de hoje nos apresenta uma cena na qual alguém questiona Jesus em relação ao número de pessoas que se salvam, à quantidade das que chegam à plena realização humana e espiritual. Ao que parece, quem pergunta não se interessa pelo caminho que leva à salvação, mas pelo número dos que seriam beneficiados por ela. Na sua resposta, Jesus sublinha que a salvação não dispensa o esforço pessoal contínuo. O caminho da salvação passa pela exigente conversão.

Jesus sublinha também que este engajamento é tarefa para o tempo presente, e não pode ser adiado indefinidamente. Comparando o processo de salvação a uma porta estreita, Jesus ressalta que chegará o tempo em que o dono da casa fechará a porta e não será mais possível entrar. Portanto, é preciso desfrutar com responsabilidade das possibilidades de crescimento que cada momento nos oferece. O tempo propício da salvação é agora, e aqui é o lugar para semear Reino de Deus e ajudá-lo a florescer. É preciso conjugar adequadamente paciência e urgência.

Há gente que pensa que somente a religião pode salvar, que as pessoas realizadas e plenamente humanas ou santas seriam aquelas que rezam bastante, que observam as prescrições religiosas, que regem a vida por uma moralidade estrita, que vivem neste mundo suspirando pelo céu. Mas a religião não pode se divorciar da ética, nem do mundo, inclusive das coisas materiais. A religião propõe uma forma específica de viver no mundo e de se relacionar com as pessoas e coisas. Àqueles que reduzem a religião a um conjunto de prescrições Jesus adverte: “Não sei de onde sois...” Em lugar deles, entram no Reino de Deus muitos que eles ignoram e desprezam. Como?

Jesus diz que “virão muitos do oriente e do ocidente, do Norte e do Sul, e tomarão lugar à mesa do Reino de Deus”. Ou seja: alguns daqueles que as instituições descartam ou colocam em último lugar, aos olhos de Deus são os mais importantes e ocupam os primeiros lugares. Todos os homens e mulheres são chamados à salvação e, de um modo que só o Espírito de Deus sabe, participam do mistério pascal de Jesus Cristo. E, mais ainda: “Há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”! Esta é uma verdade que coloca em cheque nossos pretensos méritos e certezas. Quem está de pé, cuide para não cair, diz Jesus noutro lugar.

 

Sugestões para a meditação

§ Retome o episódio, não perca as nuances da pergunta e das respostas de Jesus; saboreie aquilo que mais ressoa ou atrai você

§ Em que medida também nós, Igreja de hoje, estamos mais preocupados com o número de fiéis que “entram” na Igreja que com o testemunho?

§ Será que ainda conservamos uma mentalidade segundo a qual pessoa boa é a que frequenta as missas e paga o dízimo?

§ Como entender hoje a imagem da “porta estreita”, evitando que signifique exclusão daqueles que creem diversamente de nós?

São Judas Tadeu

Eles são lâmpadas da fé colunas da verdade

880 | 28 de outubro de 2025 | Lucas 6,12-19

Voltamos ao capítulo 6 do evangelho segundo Lucas para iluminar a festa de hoje (São Judas e São Simão). São Judas Tadeu não é o traidor convertido, como pensam alguns! É um segundo Judas, irmão (ou filho) de Tiago e parente de Jesus. Uma tradição antiga diz que ele era o noivo da festa de Caná, mas não há provas históricas sobre isso. Seu nome significa, literalmente, amigo íntimo, “amigo do peito”, próximo do coração. Este nome já é, por si mesmo, prenhe de significados.

São Judas nos deixou uma breve carta, que faz parte do Novo Testamento. Nela, o apóstolo sublinha os valores da vida comunitária e mostra-se muito preocupado com algumas falsas lideranças que causam danos às comunidades cristãs do seu tempo. São Judas diz que essas lideranças são como nuvens que anunciam, mas não trazem chuva, como árvores que não têm raízes, como ondas revoltosas e violentas, como astros errantes, como os seguidores de Caim. São imagens muito fortes!

Na carta, ele também pede aos fiéis que edifiquem a si mesmos sobre o alicerce da fé e perseverem no amor de Deus. E manda que conjuguem a compaixão com a cautela, e fortaleçam os cristãos vacilantes. Por isso, precisamos sublinhar que, mais que um socorro nas causas difíceis – como é amplamente conhecido em todas as partes do Brasil – São Judas Tadeu é, com os outros apóstolos, lâmpada da fé e coluna da verdade, como diz São Cirilo de Alexandria.

Mesmo que alguns dos Doze discípulos escolhidos e enviados sejam pouco conhecidos, Jesus os escolheu “a dedo”. Antes de os escolher, passou uma noite em oração, para não se enganar na escolha, e para que eles fossem símbolo do novo povo de Deus. Portanto, nenhum deles simplesmente aparece na lista para completar o número. Ser Apóstolo significa ser enviado como porta-voz, delegado, embaixador. Os Doze são participantes da missão do próprio Jesus Cristo, fazem o que ele fez, têm a sua dignidade, assumem sua meta e trilham seu caminho.

Celebrando a festa de São Simão (que não é Pedro) e São Judas (que não é o Iscariotis) no finalzinho do mês dedicado às missões, a comunidade cristã é convocada a renovar seu ardor missionário, a potencializar seu testemunho, a dar sua resposta ao Senhor que chama através dos clamores e esperanças do nosso povo e nos envia como peregrinos de esperança entre todos os povos. Estamos respondendo a este envio para dar testemunho num círculo cada vez mais amplo?

 

Sugestões para a meditação

§ Retome a cena, os gestos, perguntas e palavras de Jesus, as reações da mulher encurvada, dos chefes da sinagoga e do povo

§ Acompanhe passo a passo o retiro orante, a escolha nominal e o envio dos Doze Apóstolos, embaixadores do Reino de Deus

§ Deixe que ressoe também em você e hoje o chamado e a escolha de Jesus: “Eu te amo, te chamo, te formo e te envio!”

domingo, 26 de outubro de 2025

A lei e a compaixão

O socorro aos necessitados é a prioridade

879 | 27 de outubro de 2025 | Lucas 13,10-17

Jesus ensina que, quando as leis ajudam a viver o amor a Deus e ao próximo, são importantes e boas. Mas quando já não servem para gerar e proteger a vida, ou quando se opõem à vida e à dignidade dos pobres, devem ser abandonadas, como ele mesmo o fez Jesus. Nesse amor, que tem dois destinatários, mas uma mesma direção – a saída de si para priorizar o outro – se resumem as Escrituras. O socorro das pessoas em suas necessidades vem antes e está acima das leis.

Hoje, Lucas nos apresenta Jesus na sinagoga. Enquanto mestre, Jesus de Nazaré ensina como “boca de Deus” e vai ao lugar especialmente destinado ao ensino da Palavra de Deus. E, mais uma vez, enfrenta a esclerose do formalismo religioso e a violenta e cínica tirania religiosa representada e exercida pelas lideranças que controlam o ensino da lei, especialmente mediante a Sinagoga. Jesus mostra sua inconformidade com isso, e não se cala nem se acomoda.

Na sinagoga, Jesus vê uma mulher duplamente excluída: por ser doente e por ser maneada por um espírito maligno. Ninguém dos mestres ali presentes dá a mínima atenção a ela, com exceção de Jesus. Jesus toma a iniciativa: sem que ela peça qualquer coisa, ele a chama, cura e liberta, estendendo a mão num solene e inequívoco gesto que denota a ação e a proteção de Deus. Para Jesus, era inaceitável prorrogar o sofrimento daquela mulher por causa de uma interdição legal.

Jesus curou a mulher num dia de sábado, e a lei que mandava guardá-lo fechava os olhos de todos a tudo o mais que não fosse o estrito cumprimento daquilo que era proibido ou mandado. Por isso, a iniciativa de Jesus suscita a louvor intenso e agradecido da mulher e, ao mesmo tempo, a fúria do chefe da sinagoga, que se volta contra ela, evitando atacar Jesus diretamente. Para ele, os encurvados podem esperar, a lei não! E se instaura a controvérsia e o debate. Como Jesus se atreve?

Jesus desmascara a hipocrisia de quem usa a religião para se dispensar do compromisso com o próximo ou para oprimi-lo. Para Jesus, a atenção às necessidades e ao bem das pessoas concretas está acima da lei, e manifesta o querer claro e inequívoco de Deus. O sentido e a finalidade de todas as leis e instituições é manter viva a memória e o sonho da criação e da libertação. É daqui que brota a alegria e o louvor. Fora disso, só resta a vergonha.

 

Sugestões para a meditação

·        Retome a cena, os gestos, perguntas e palavras de Jesus, as reações da mulher encurvada, dos chefes da sinagoga e do povo

·        Por quê nos custa tanto colocar a dignidade e a necessidade das pessoas à frente das leis e ritos?

·        Como educar e formar nossos fiéis e comunidades da liberdade solidária do Evangelho de Jesus?

sábado, 25 de outubro de 2025

Dia Nacional da Juventude

A juventude e o desafio de cuidar da Criação

No quarto domingo de outubro as comunidades católicas celebram no Brasil o Dia Nacional da Juventude. Esse não quer ser um evento a mais, mas parte de um processo contínuo de formação. Em 2025, guiadas pelo lema “Jovens, guardiões da Criação”, as juventudes são convidadas a pensar, refletir e realizar iniciativas no cuidado com a vida.

Mais uma vez, inspiro-me no Papa Francisco. Ele observa que os adultos de hoje caímos frequentemente na tentação de fazer uma lista enorme de vícios e defeitos da juventude, em parte, reais. Alguns há quem nos aplaude, imaginando que somos defensores dos bons costumes e especialistas nos aspetos negativos e perigos. “Mas, a que levaria isso? Uma distância sempre maior, menos proximidade, menos ajuda mútua”.

O Papa Francisco vê o jovem como “alguém que caminha com os dois pés, mas colocando um atrás do outro, pronto para partir. Falar de jovens significa falar de promessas, de alegria. Um jovem é uma promessa de vida. Eles têm suficiente insensatez para enganarem-se e suficiente capacidade para curar a decepção que daí pode derivar”.

Oxalá apoiemos e estimulemos os jovens como o Papa: “Ainda que possam se enganar, arrisquem. Não vivam anestesiados. Não olhem o mundo como se fossem turistas. Abandonem os medos que paralisam. Não se deixem mumificar. Entreguem-se ao melhor da vida! Abram as portas da gaiola e voem! Por favor, não se aposentem antes do tempo!”

Nossa mensagem, explícita ou implícita, deveria ser: “Jovens, não renunciem ao melhor da juventude. Não observem a vida da sacada. Não confundam a felicidade com um sofá, nem passem a vida diante duma tela. Não sejam como um veículo abandonado, como carros estacionados à beira da estrada. Deixem brotar os sonhos e tomem decisões”.

A sabedoria e a lucidez próprias de pai, de mãe, de pastor ou guia dos jovens os leva a “encontrar a pequena chama que continua a arder, a cana que parece quebrar-se, mas ainda não se partiu. É a capacidade de visualizar brechas, portas e caminhos onde outros só veem muros, é saber reconhecer possibilidades onde outros só veem perigos”.

É verdade que precisamos nos ocupar da educação das juventudes, especialmente da educação para os valores da paciência, da tolerância, da fraternidade, da justiça, da paz e o cuidado da criação. Mas essa educação supõe em nós a disposição de escutá-los e valorizá-los; de atuar mais com eles que para eles; de guiá-los na aquisição de valores culturais e éticos; de superar a ditadura do presente por uma visão de futuro; de oferecer uma educação livre da ditadura das informações e da tecnologia.

Finalmente, a educação para a justiça, a paz e o cuidado da criação deve ocorrer na justiça e na paz, num ambiente familiar, escolar e eclesial no qual a justiça, a paz, a fraternidade e a solidariedade são testemunhadas em relações cotidianas e não se reduzam a conceitos ou deveres. Para isso, precisamos avaliar os processos e os programas formativos das nossas comunidades, escolas e universidades.

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo de Santa Cruz do Sul