Quando a luz do dia se apagar para mim
A
passagem do Dia dos Finados é uma oportunidade propícia para recordar, de forma
agradecida, as pessoas que nos precederam e, ao mesmo tempo, de perguntar-nos
como queremos viver e como estamos vivendo. Vivemos como criaturas ameaçadas
pela noite escura e vazia ou como quem espera um encontro e um abraço afetuoso?
Recordemos
as pessoas com quem convivemos e deixaram marcas em nossas vidas. Mas não
falemos delas apenas como sentidas ausências, mas também como presenças
vivificadoras. Elas são presenças porque estão vivas em Deus e em nossa memória
pelo amor que lhes dedicamos, nos frutos positivos que semearam enquanto
viveram aqui.
Apesar
de ser algo tão certo quanto inevitável, não é fácil falar da morte. Hoje ela é
quase um tabu. Tende a ser disfarçada e escondida. Evitamos falar dela, mesmo que
esteja vivamente presente em nosso círculo de relações. Evitamos pensar e
conversar sobre nossa própria morte, ainda que seja o único evento certo que nos
aguarda no futuro.
Mas
viver ameaçados pelo medo da morte é uma aventura nas sombras, o que contradiz nossa
vocação cristã de filhos da luz. Para os cristãos, a morte é um passo para a
comunhão plena, o passo final para o qual damos os anteriores. Por isso, a
morte não deve ser temida, mas preparada como passagem para dimensões mais
plenas de vida.
Como
cristãos, podemos e devemos olhar a morte de frente, porque a olhamos com
esperança, com a certeza de que ela não é um muro ou um precipício, mas uma
porta. Tendo passado por ela, Jesus nos ensina a prepara-la e acolhe-la com
inteireza, pois ela nos conecta com nossa finitude e nos ajuda a viver com
autenticidade honrando a vida.
Convido você a rezar comigo o belo poema do escritor
tcheco Jakub Deml, falecido em 1961: “Quando eu estiver deitado no meu leito de
morte, é isso que eu peço, Mãe de Deus: apaga tu a lâmpada do meu coração.
Jesus Cristo, luz eterna, eu te imploro, pela tortura amarga da tua morte, que,
quando a luz do dia se apagar para mim, atravesses comigo os abismos da morte
perigosa. Que teu coração, como a lua cheia e a hóstia branca, ilumine a
paisagem da minha transição deste tempo para a eternidade”.
Dom Itacir Brassiani msf
DBispo de Santa
Cruz do Sul