quinta-feira, 7 de novembro de 2013

32° Domingo do Tempo Comum

A fé na ressurreição é mais forte que o medo de perder a vida!
(2Mc 7,1-2.9-14; Sl 16/17; 2Tes 2,16-35; Lc 20,27-38)

Pedro Wu Guosheng é um catequista chinês que viveu no final do século XVIII. Conheceu o cristianismo através do contato com alguns viajantes e missionários ocidentais. Tornou-se catequista e ajudou a manter viva a fé dos seus conterrâneos. Por causa disso foi preso e, mesmo tendo a possibilidade de fugir, preferiu testemunhar a razão da sua esperança diante daqueles que o acusavam, recusando-se a pisotear a imagem de Jesus Crucificado. Foi condenado à morte e sofreu o martírio no dia 7 de novembro de 1814. Pedro se manteve  firme na fé fé em Jesus Cristo, caminho da vida e luz da verdade, e, por isso, não teve medo de perder a vida. Eis o sentido da fé na ressurreição!
“Aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, os quais negam a ressurreição...”
A nossa fé sempre é posta em questão, às vezes de modo provocativo, outras, de forma sutil. Somos provocados pela violência que, dispensando maquiagens e disfarces, proíbe que a fé amadureça na profecia e frutifique no amor solidário e transformador. Também a ideologia do pensamento único, que apregoa que este é o melhor ou o único mundo possível, se lança sobre nossa frágil esperança como o sol escaldante que queima os brotos teimosos da fraternidade.
Mas há também o questionamento sutil que nos envolve lentamente: o sucesso e o bem-estar vão nos seduzindo lentamente, o desejo de prolongar indefinidamente esta vida adquire cidadania em nós e começamos a evitar tudo o que possa perturbar esta tranquilidade e esta segurança. E acabamos evitando como inadequados ou iverrosímeis a compaixão pelos fracos, a possibilidade de que o mundo seja diverso, a necessidade de arriscar a vida para que isso se realize.
“Na ressurreição, ela será esposa de qual deles?”
Os saduceus são a caricatura mais acabada do cinismo que pode ameaçar a religião. Eles representam a casta sacerdotal privilegiada e a nobreza laica, e são os porta-vozes das grandes famílias ricas que se aproveitam dos donativos dos peregrinos e dos sacrifícios oferecidos no templo. Os saduceus  criam e vendem os animais puros que os romeiros oferecem em sacrifício no templo de Jerusalém. E são também eles que administram o tesouro do templo, uma espécie de tesouro nacional.
Instalados no alto da pirâmide social e religiosa, os saduceus rejeitam e ridicularizam a fé na ressurreição, e desafiam Jesus . Ele enfrentara a ideologia religiosa dos fariseus, negando-se a se submeter ao templo (cf. Lc 20,1-8), comparando-os a vinhateiros homicidas (cf. 20,9-19), dando a volta por cima do nacionalismo fanático que incitava a não pagar impostos (cf. 20,20-26). E então chega a vez dos saduceus, que aparecem para criticar a fé dos fariseus e  ridicularizar o ensino de Jesus.
Respaldados pelo status social e econômico que tinham e sendo versados na parte das escrituras que aceitavam, os saduceus querem pegar Jesus numa cilada teológica. Partindo da instituição bíblica do levirato –  que determinava que quando um homem morre sem deixar herdeiros, o irmão deve casar com a cunhada e dar-lhe descendência (cf. Gn 38,8; Dt 25,5) – eles inventam uma história iverossímil para demostrar a falta de sentido da fé na ressurreição dos mortos.
“Estamos prontos a morrer, antes que transgredir a lei dos nossos antepassados.”
A fé na ressurreição nasce historicamente numa situação de opressão, e suscita a fidelidade ao projeto de Deus e a resistência diante de toda espécie de sedução. É isso que percebemos no tempo dos Macabeus através do edificante testemunho de uma mãe corajosa que sustenta a fé dos sete filhos. Torturados com chicotes e flagelos, eles respondem: “Estamos prontos a morrer, antes que transgredir a lei dos nossos antepassados... O rei do universo nos fará ressurgir para a vida eterna.”
Crer na ressurreição não tem nada a ver com a atitude daqueles que não se importam com as contradições e violências da história e se refugiam no valor pretensamente superior de uma outra vida. A fé na ressurreição dos mortos é luz que ilumina a mente para que visualize um mundo radicalmente distinto. É também força que sustenta a luta para construi-lo e coragem para resistir às seduções que os privilégios e comodidades do presente exercem sobre nós.
“Ele é Deus não dos mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele.”
Jesus responde à teologia cínica dos saduceus desenvolvendo sua argumentação em duas direções: discutindo a forma como se dá a ressurreição e apresentando o seu fundamento. Na primeira perspectiva, Jesus afirma que a vida ressuscitada não é uma simples cópia da vida presente, mas uma nova qualidade relacional, uma nova ordem existencial, uma vida de plena comunhão com Deus e livre da necessidade de sucesso e de perpetuação da espécie. É isso que Jesus quer dizer quando fala que “os que forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição “não se casam” e “já não poderão morrer”, porque “serão iguais aos anjos” e “filhos de Deus”.
Numa segunda direção, Jesus fundamenta a ressurreição no próprio ser e na fidelidade de Deus, e não simplesmente numa questão antropológica ou social, ou num preceito moral. Ele recorre ao evento fundador do judaísmo, ou seja, à revelação do nome e da compaixão de Deus a Moisés e ao seu povo. Para Deus e em Deus, todos vivem e todos, sem nenhuma espécie de exclusão, têm o direito de viver. Mas estão mortos aqueles que, encastelados em seus privilégios, fecham os ouvidos ao clamor dos oprimidos e sufocam os gérmens de um futuro distinto das ambiguidades do presente.
 “Deus nos amou e nos deu uma consolação eterna e uma feliz esperança.”
A fé na ressurreição não é apenas uma questão antropológica. É uma questão teológica: se enraiza em Deus, cresce na luta, se fortalece na resitência e se alimenta da esperança. É nessa perspectiva que adquirem sentido as palavras de Paulo: “O próprio nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que, na sua graça, nos amou e nos deu uma consolação eterna e uma feliz esperança, confortem vossos corações e vos confirmem em tudo o que fazeis e dizeis de bom.”
Acreditando na ressurreição e assumindo as consequências desta crença, fazemos o possível “para que a Palavra do Senhor se espalhe rapidamente e seja glorificada”. E esta palavra viva e vivicante é uma Boa Notícia: os coxos andam, os cegos vêem, os surdos ouvem, os pecadores são justificados, os pobres recebem boas notícias e os mortos ressuscitam. Ou seja: a história não é monolitica, as sementes germinam, o mundo tem jeito, a morte e o medo não têm a última palavra.
 “Mestre, falaste muito bem.”
Alguns fariseus aplaudem a resposta de Jesus e ninguém se atreve a desafiá-lo. Nós, porém, aplaudindo a sabedoria da resposta de Jesus, somos interpelados a seguir seus passos no compassivo e solidário engajamento a fim de que todos tenham vida já no presente da história. E isso mesmo que visualizemos “cruzes beirando a estrada” e “pedras manhadas de sangue”, pois estas são setas que dizem “que a liberdade é prá lá”. Lembremos São Pedro Wu Guosheng e seus companheiros!
Mas o martírio não é uma graça que todos alcançam. E nem precisaria ser assim. Lembremos do mulato latino-americano São Martinho de Lima, ou de Porres (+03.11.1639). Filho ilegítimo de um nobre espanhol e de uma escrava negra libertada, foi trabalhador rural, barbeiro e enfermeiro. Ainda jovem, foi acolhido num mosteiro dominicano e encarregado de distribuir roupas e alimentos aos pobres. Fundou   um orfanato e um hospital para as crianças e os pobres de Lima.
Quando uma epidemia atingiu Lima, Martinho levava os doentes para o convento, mas o Superior proibiu-o de continuar a fazê-lo. Um dia ele encontrou na rua um índio ferido e sangrando e levou-o ao seu próprio quarto. Quando soube disto, o Superior o repreendeu por desobediência. E Martinho respondeu: "Perdoa meu erro, e por favor me instrui, porque eu não sabia que o preceito da obediência se sobrepõe ao da caridade." Ele era como os anjos... Eis a força da fé na ressurreição!
“Ao despertar, me saciarei com tua presença...”
Jesus, tu não te envergonhas de ser nosso irmão e não te calas diante do cinismo dos satisfeitos. Ensina-nos a crer na ressurreição e tirar disso todas as consequências. Livra-nos das correntes do desânimo e do fracasso. Rompe as cadeias da acomodação e do amor-próprio. Mantém nossos passos na marca dos teus. Protege-nos à sombra das tuas asas e sacia-nos todo dia com a tua presença. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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