quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ANO C – TEMPO DO NATAL – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – 27.12.2015

Na Família de Nazaré se revela o dom de Deus à humanidade.

No dia em que festejamos a família de Jesus, não podemos ceder à piedosa tentação de imaginar uma família idealizada e espiritualizada, alheia à realidade concreta do seu povo. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família é uma família judaica absolutamente normal, tão normal que sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser depois do evento pascal de Jesus. Viveu os valores humanos e religiosos de uma família crente, freqüentando a sinagoga, meditando a Palavra dos profetas, peregrinando ao Templo, celebrando a liturgia doméstica, esperando a vinda do Messias.

É isso que vemos no evangelho de hoje. Maria e José cumprem a lei que pede que as famílias judaicas peregrinem anualmente ao templo. Mas há um outro elemento interessante, subtentendido na cena: a abertura ao mundo religioso do próprio povo não é suficiente para realizar sua vocação. A família de Nazaré peregrina anualmente a Jerusalém e Jesus permanece no templo (ou na sinagoga) em meio aos doutores da leis, mas ela crescerá e amadurecerá – estará “naquilo que é do Pai” – voltando à vida cotidiana em Nazaré. É na plena inserção no mundo que a família se torna aquilo que é!

Na sua meditação sobre este evangelho, o Papa Bento XVI lembra que Jesus adolescente manifesta um lado liberal e revolucionário, uma liberdade própria de quem é filho e não escravo. Como a peregrinação a Jerusalém normalmente era feita em comunidade, podemos dizer que Jesus não teme o afastamento e o dissenso profético, convocando a própria comunidade familiar e eclesial a uma fidelidade mais radical a Deus. Maria e José, assim  como a Igreja, são convocados por Jesus a não temer a cruz, e a família e a Igreja jamais podem pretender possuir Jesus e tê-lo sob controle...
Nesta cena, temos as primeiras palavras pronunciadas por Jesus segundo Lucas. E são duas perguntas. “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar naquilo que é do meu Pai?” São perguntas que interpelam nossas famílias e cada um de nós sobre as razões que nos movem na busca de Jesus Cristo e sobre o horizonte maior no qual nos situamos como pessoas e como famílias: precisamos nos ocupar das ‘coisas de Deus’, ou seja, da vida humana plena, libertada, solidária. A missão cristã da família não começa nem termina em si mesma: se expande aos outros, à família de todas as criaturas.
Portanto, evitemos um ’familismo’ ingênuo e escapista, muito ao gosto da velha moral eclesiástica e do novo espiritualismo de alguns movimentos. A família é chamada a ser escola de comunhão e participação, espaço de crescimento onde cada membro é suporte para o crescimento do outro. É o amor recíproco e a acolhida da vontade de Deus a força que une os membros da família na sua diversidade e faz com que todos sejam, ao mesmo tempo, conselheiros e aprendizes, como nos lembra Paulo na sua carta. Em outras palavras: submissão e suporte recíprocos, sem privilegiar ninguém.
Unidos pelos laços de um amor profundamente humano e dentro do horizonte das tradições do seu povo, José e Maria avançam no escuro da fé. Como Abraão, se lançam na estrada da fé sem saber onde chegarão. Ousam acreditar, e isso lhes é creditado como justiça. Precisam se abrir sempre mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes é confiado. Aprendem que não podem se afastar das raízes populares, do vínculo com os pobres, e devem permanecer na periférica Nazaré, junto àqueles que estão longe. Jesus precisa afundar raízes e obsorver as esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa, e ali cresce em idade, sabedoria e força...
A convicção de Paulo e da comunidade cristã é que o amor é o vínculo da perfeição da vida cristã, e também da família. É no amor que as esposas podem ser solícitas aos seus respectivos maridos, e estes deixam de ser grosseiros com elas. É o amor que abre possibilidades para que a obediência dos filhos aos pais não atente contra a liberdade e a dignidade de ninguém, e que os pais jamais intimidem os filhos, mas os animem a caminhar rumo à maturidade solidária. É assim que nos revestimos de sincera misericórdia, bondade, humildade e mansidão, e tornamo-nos suportes uns para os outros.
Sagrada Família de Nazaré, nós te acolhemos como ambiente e proposta de encarnação e de crescimento, como manifestação do dom de Deus e resposta humana e generosa a este dom, como busca comum da vontade de Deus, ambiente de hospitalidade e amor recíproco e de construção incansável da única família do Pai. Ajuda e inspira nossas famílias a serem pequenas tendas da tua Palavra viva, escolas da comunhão e solidariedade que ultrapassam os laços de sangue e de fé, espaços de perdão e reconciliação, ensaios fugazes mas verdadeiros do Reino de Deus, no qual espelhaste tua vida. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Eclesiástico 3,3-7.14-17 * Salmo 127 (128) * Carta aos Colossenses 3,12-21 * Lucas 2,41-52)

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