quinta-feira, 8 de março de 2018

O Evangelho dominical - 11.03.2018


APROXIMAR-NOS DA LUZ
Pode parecer uma observação excessivamente pessimista, mas o certo é que somos capazes de viver longos anos sem ter ideia do que está sucedendo em nós. Podemos continuar a viver dia após dia sem querer ver o que é que na verdade move a nossa vida e quem é que dentro de nós toma realmente as decisões.
Não é ignorância ou falta de inteligência. O que sucede é que, de forma mais ou menos consciente, intuímos que ver-nos com mais luz nos obrigaria a mudar. Uma e outra vez parecem cumprir-se em nós aquelas palavras de Jesus: «O que pratica o mal detesta a luz e afasta-a, porque tem medo a que a sua conduta fique a descoberto». Assusta-nos ver-nos tal como somos. Sentimo-nos mal quando a luz penetra na nossa vida. Preferimos continuar cegos, alimentando dia a dia novos enganos e ilusões.
O mais grave é que pode chegar um momento em que, estando cegos, acreditemos que vemos tudo com claridade e realismo. Que fácil é então viver sem conhecer-se a si mesmo nem perguntar-se nunca: Quem sou eu? Acreditar ingenuamente que eu sou essa imagem superficial que tenho de mim mesmo, fabricada de recordações, experiências, medos e desejos.
É fácil acreditar que a realidade é justamente tal como eu a vejo, sem estar consciente de que o mundo exterior que eu vejo é, em boa parte, reflexo do mundo interior que vivo e dos desejos e interesses que alimento. É fácil também acostumar-nos a tratar não com pessoas reais, mas com a imagem ou etiqueta que delas me construí eu mesmo.
O grande escritor Hermann Hesse, no seu pequeno livro Meu credo, cheio de sabedoria, escrevia: «O homem que contemplo com temor, com esperança, com cobiça, com propósitos, com exigências, não é um homem, é só um turvo reflexo da minha vontade».
Provavelmente, na hora de querer transformar a nossa vida orientando os nossos passos por caminhos mais nobres, o mais decisivo não é o esforço por mudar. O primeiro passo é abrir os olhos. Perguntar-me que ando à procura na vida. Ser mais consciente dos interesses que movem a minha existência. Descobrir o motivo último do meu viver diário.
Podemos tomar-nos um tempo para responder a esta pregunta: porque fujo tanto de mim mesmo e de Deus? Porque, em definitivo, prefiro viver enganado, sem procurar a luz? Temos de escutar as palavras de Jesus: «Aquele que atua conforme à verdade aproxima-se da luz, para que se veja que tudo o que faz está inspirado por Deus».
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

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