Profetismo na vida religiosa consagrada
hoje
Na
sua conferência sobre O profetismo da
vida religiosa consagrada hoje, parte do Seminário Nacional sobre a Vida
Consagrada, que está acontecendo em Aparecida (SP), promovida pela Conferência
dos religiosos do Brasil, a Ir. Marian Ambrosio (Superiora Geral das Irmãs da
Divina Providência), começou sublinhando que, segundo o Papa Francisco, “a nota
que caracteriza a vida consagrada hoje é a profecia”, e isso nos pede uma
mística de olhos abertos, capaz de sustentar uma busca apaixonada de Deus e
seus caminhos.
Raízes proféticas,
profecia das raízes
Partindo
da alegoria da árvore (com suas raízes, seu tronco, suas folhas, suas flores e
frutos), Ir. Marian lembrou que as raízes não constroem; cavando, elas traçam a
seu modo, um caminho de busca incansável de agua, sabendo que a água não lhe
pertence, nem vem dela mesma. Jesus, o Profeta, cavou pacientemente durante 30
anos e lançou raízes em Nazaré. Na herança viva do seu povo e sua família - sua
terra e sua mãe! - buscou aquilo que o sustentou nos e desertos, na frequência às
sinagogas, nas peregrinações ao templo.
“Quais
são as nossas raízes, como vida religiosa?”, provocou Ir. Marian. Ou será que estamos
ocupados apenas em dar um final feliz àquilo que construímos, e não temos tempo
nem sede para buscar a energia, seguindo o cheiro da água? Manter a busca do
Mistério e repropor Deus – o Outro, a Alternativa que esconde a vida, o
Horizonte benfazejo, emancipador e solidário – num mundo fechado em si mesmo
pode ser a primeira expressão da profecia, uma profecia de raiz. O mundo frio,
calculista e desencantado que nos toca tem necessidade de encontrar a fé como
horizonte, como abertura, como impulso a caminhar.
Vinculadas
a essa profecia da raiz, e decorrentes dela, estão a releitura do carisma
fundacional, a profissão e a vivência pública dos votos, a opção pelos pobres,
o silêncio orante e a escuta despojada da Palavra, o martírio cotidiano de quem
vive nas fronteiras e desertos e a serena esperança de novos céus e nova terra.
Seguindo Jesus desde a raiz e ao modo de raiz podemos testemunhar a fé radical
e ser sinais da Presença discreta de Deus no mundo.
A audácia profética
do tronco
O
tronco nasce com a primeira raiz, tronco e raiz estão simbioticamente unidas.
Todas as raízes buscam manter-se ligadas ao tronco. Se isso não ocorre, a raiz
morre ou dá origem a outro arbusto, outra forma de vida. O tronco se abre e
multiplica à medida em que cresce e amadurece, avança para acolher folhas e
flores e garantir frutos, se reinventa em vista da sua finalidade. As raízes se
realizam quando sustentam um tronco saudável, e este depende do lugar, do
terreno, das raízes. O tronco amadurece quando brota, floresce, frutifica.
A
vida de Jesus se sustenta num tronco constituído por sua família, sua
comunidade, seu povo. Mas este tronco se reinventa permanentemente sob a força
da inspiração e da ação de Jesus. O segredo da fecundidade de Jesus está na
comunhão amorosa e crescente com seu povo e com o Espírito Santo. Também na
vida religiosa consagrada, unificando-nos com o tronco que se ergue para
produzir frutos, constituímo-nos comunidade em missão, ressaltou a Ir. Marian.
Há
mais de 20 anos, João Paulo II já enfatizava que a vida comunitária religiosa,
antes de ser meio para a missão, é espaço teologal onde podemos experimentar a
experiência mística de Jesus ressuscitado. A comunidade de pessoas consagradas
não é uma simples estratégia organizacional, nem funciona como uma espécie de
asilo afetivo, de zona de conforto que alivia as tensões que nos provoca o
mundo que nos toca. A alegria de viver juntos e compartilhar vida e lutas é, em
si mesma, sinal do Reino de Deus. Na fraternidade comunitária, os conflitos
existem, e precisam ser acolhidos e acariciados, mas em vista da missão. “Se
uma pessoa não pode viver a fraternidade em comunidade, também não pode viver a
vida religiosa” (Papa Francisco).
No
tronco, e a serviço dos frutos e do seu vínculo com as raízes, está o serviço
da autoridade. Ela tem uma perspectiva e uma função organizativa (da vida
comunitária, da missão, dos recursos), e pode e deve ser profética. Quando for
exercida ao modo de Jesus, servindo, em vista da construção do Reino, a
autoridade cumpre sua missão profética. E isso passa pela ousadia de repensar
estruturas que se esvaziaram e repropor projetos que as maiorias não querem
encarar.
A profecia das
folhas, das flores e dos frutos
As
raízes não mudam, mesmo quando o tronco sofre com o tempo e com as podas. O
tronco da comunidade, com suas folhas e frutos, não existe para brilhar, mas
para oferecer seus frutos ao mundo. A
semente é o embrião da arvore e do fruto, promessa de vida. Dela depende a
qualidade do fruto.
Ir.
Marian sublinhou que é da qualidade da formação inicial e permanente que
depende a qualidade e o sabor do fruto. A primeira gota de água ajuda a semente
a inchar e germinar, faz elevar-se em forma de tronco comunitário. A gentileza,
a beleza, a simpatia são parte da flor, expressão da missão. Parte das flores
se transformam em frutos.
Como
todos sabemos, ou deveríamos saber, missão é engajamento na missão única de
Deus, gerar, sustentar, proteger e multiplicar a vida, em suas multiplicidade
de formas. Deus tem uma missão, e confia parte dela à nossa Congregação. O
Carisma que se faz carne se faz missão, mas permanece sempre dom do Espírito,
para a missão, coisa de Deus. Sinalizando ao mundo que nos toca a gratuidade do
criador, damos testemunho de fé e seduzimos o mundo para o Evangelho do reino.
A
identidade da vida religiosa consagrada é carismática, e, portanto não é
dirigida à organização ministerial da Igreja. Ela está em função do reino de
Deus, da missão de Deus. O núcleo identitário da vida religiosa (raiz, tronco,
frutos) pede de nós uma releitura profética. A verdadeira profecia da vida
religiosa está na integração da energia interna que nos capacita a viver as
três dimensões de forma conjugada.
As
profetizas e os profetas ajudam a despertar no povo de Deus a capacidade de
entender o presente no horizonte do futuro. Profetas e profetizas perscrutam o
futuro, gritam e pedem que o povo mude o rumo, atuem em vista do futuro. Por
isso, a profecia é (quase) sempre portadora de esperança. E a alegria prenuncia
o futuro já presente.
Itacir
Brassiani msf
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