domingo, 6 de maio de 2018

Seminário sobre a vida religiosa (5)


Profetismo na vida religiosa consagrada hoje

Na sua conferência sobre O profetismo da vida religiosa consagrada hoje, parte do Seminário Nacional sobre a Vida Consagrada, que está acontecendo em Aparecida (SP), promovida pela Conferência dos religiosos do Brasil, a Ir. Marian Ambrosio (Superiora Geral das Irmãs da Divina Providência), começou sublinhando que, segundo o Papa Francisco, “a nota que caracteriza a vida consagrada hoje é a profecia”, e isso nos pede uma mística de olhos abertos, capaz de sustentar uma busca apaixonada de Deus e seus caminhos.  
Raízes proféticas, profecia das raízes
Partindo da alegoria da árvore (com suas raízes, seu tronco, suas folhas, suas flores e frutos), Ir. Marian lembrou que as raízes não constroem; cavando, elas traçam a seu modo, um caminho de busca incansável de agua, sabendo que a água não lhe pertence, nem vem dela mesma. Jesus, o Profeta, cavou pacientemente durante 30 anos e lançou raízes em Nazaré. Na herança viva do seu povo e sua família - sua terra e sua mãe! - buscou aquilo que o sustentou nos e desertos, na frequência às sinagogas, nas peregrinações ao templo.
“Quais são as nossas raízes, como vida religiosa?”, provocou Ir. Marian. Ou será que estamos ocupados apenas em dar um final feliz àquilo que construímos, e não temos tempo nem sede para buscar a energia, seguindo o cheiro da água? Manter a busca do Mistério e repropor Deus – o Outro, a Alternativa que esconde a vida, o Horizonte benfazejo, emancipador e solidário – num mundo fechado em si mesmo pode ser a primeira expressão da profecia, uma profecia de raiz. O mundo frio, calculista e desencantado que nos toca tem necessidade de encontrar a fé como horizonte, como abertura, como impulso a caminhar.
Vinculadas a essa profecia da raiz, e decorrentes dela, estão a releitura do carisma fundacional, a profissão e a vivência pública dos votos, a opção pelos pobres, o silêncio orante e a escuta despojada da Palavra, o martírio cotidiano de quem vive nas fronteiras e desertos e a serena esperança de novos céus e nova terra. Seguindo Jesus desde a raiz e ao modo de raiz podemos testemunhar a fé radical e ser sinais da Presença discreta de Deus no mundo.
A audácia profética do tronco
O tronco nasce com a primeira raiz, tronco e raiz estão simbioticamente unidas. Todas as raízes buscam manter-se ligadas ao tronco. Se isso não ocorre, a raiz morre ou dá origem a outro arbusto, outra forma de vida. O tronco se abre e multiplica à medida em que cresce e amadurece, avança para acolher folhas e flores e garantir frutos, se reinventa em vista da sua finalidade. As raízes se realizam quando sustentam um tronco saudável, e este depende do lugar, do terreno, das raízes. O tronco amadurece quando brota, floresce, frutifica.
A vida de Jesus se sustenta num tronco constituído por sua família, sua comunidade, seu povo. Mas este tronco se reinventa permanentemente sob a força da inspiração e da ação de Jesus. O segredo da fecundidade de Jesus está na comunhão amorosa e crescente com seu povo e com o Espírito Santo. Também na vida religiosa consagrada, unificando-nos com o tronco que se ergue para produzir frutos, constituímo-nos comunidade em missão, ressaltou a Ir. Marian.
Há mais de 20 anos, João Paulo II já enfatizava que a vida comunitária religiosa, antes de ser meio para a missão, é espaço teologal onde podemos experimentar a experiência mística de Jesus ressuscitado. A comunidade de pessoas consagradas não é uma simples estratégia organizacional, nem funciona como uma espécie de asilo afetivo, de zona de conforto que alivia as tensões que nos provoca o mundo que nos toca. A alegria de viver juntos e compartilhar vida e lutas é, em si mesma, sinal do Reino de Deus. Na fraternidade comunitária, os conflitos existem, e precisam ser acolhidos e acariciados, mas em vista da missão. “Se uma pessoa não pode viver a fraternidade em comunidade, também não pode viver a vida religiosa” (Papa Francisco).
No tronco, e a serviço dos frutos e do seu vínculo com as raízes, está o serviço da autoridade. Ela tem uma perspectiva e uma função organizativa (da vida comunitária, da missão, dos recursos), e pode e deve ser profética. Quando for exercida ao modo de Jesus, servindo, em vista da construção do Reino, a autoridade cumpre sua missão profética. E isso passa pela ousadia de repensar estruturas que se esvaziaram e repropor projetos que as maiorias não querem encarar.
A profecia das folhas, das flores e dos frutos
As raízes não mudam, mesmo quando o tronco sofre com o tempo e com as podas. O tronco da comunidade, com suas folhas e frutos, não existe para brilhar, mas para oferecer seus frutos ao mundo.  A semente é o embrião da arvore e do fruto, promessa de vida. Dela depende a qualidade do fruto.
Ir. Marian sublinhou que é da qualidade da formação inicial e permanente que depende a qualidade e o sabor do fruto. A primeira gota de água ajuda a semente a inchar e germinar, faz elevar-se em forma de tronco comunitário. A gentileza, a beleza, a simpatia são parte da flor, expressão da missão. Parte das flores se transformam em frutos.
Como todos sabemos, ou deveríamos saber, missão é engajamento na missão única de Deus, gerar, sustentar, proteger e multiplicar a vida, em suas multiplicidade de formas. Deus tem uma missão, e confia parte dela à nossa Congregação. O Carisma que se faz carne se faz missão, mas permanece sempre dom do Espírito, para a missão, coisa de Deus. Sinalizando ao mundo que nos toca a gratuidade do criador, damos testemunho de fé e seduzimos o mundo para o Evangelho do reino.
A identidade da vida religiosa consagrada é carismática, e, portanto não é dirigida à organização ministerial da Igreja. Ela está em função do reino de Deus, da missão de Deus. O núcleo identitário da vida religiosa (raiz, tronco, frutos) pede de nós uma releitura profética. A verdadeira profecia da vida religiosa está na integração da energia interna que nos capacita a viver as três dimensões de forma conjugada.
As profetizas e os profetas ajudam a despertar no povo de Deus a capacidade de entender o presente no horizonte do futuro. Profetas e profetizas perscrutam o futuro, gritam e pedem que o povo mude o rumo, atuem em vista do futuro. Por isso, a profecia é (quase) sempre portadora de esperança. E a alegria prenuncia o futuro já presente.
Itacir Brassiani msf

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