domingo, 3 de março de 2019

ANO C | TEMPO DE QUARESMA | QUARTA-FEIRA DE CINZAS | 06.03.2019


Que o Direito e a Justiça assegurem a cidadania dos brasileiros e brasileiras!
Terminado o período de carnaval, os carros alegóricos dão lugar aos ônibus lotados, os salões e trios elétricos são substituídos pelo ritmo estonteante e pelo som nada harmônico das fábricas e máquinas. E o Brasil despe-se, um pouco a contragosto, da sua fantasia de país cordial e acolhedor e escancara sua face brutal, com cicatrizes vivas de exclusão, de preconceito e de ódio de classe. A quarta-feira de cinzas não tem mais a força de encerrar definitivamente a folia, mas consegue colocar diante dos nossos olhos, e da nossa consciência às vezes anestesiada, uma dimensão inegável da vida: somos radicalmente limitados e ambíguos.
No último domingo, Jesus já ensinava que um cego não pode oferecer-se como guia de outros cegos, e que não temos condições de apontar o cisco no olho do próximo se nosso próprio olhar está prejudicado pela sujeira. Com isso, ele ressalta nossa condição de pecadores, afirma a necessidade de conversão permanente e alerta para a arrogância descabida de quem quer sentar-se na cadeira do juiz. Como diz o salmista, todos nascemos no pecado e carregamos em nossos corpos, sentimentos, ações e projetos marcas de indiferença, egoísmo e fratricídio. Daí a importância de uma campanha que suscite atitudes e gestos de fraternidade.
É inegável que o carnaval brasileiro tem as marcas do povo e da valorização das maiorias esquecidas e vilipendiadas pelas elites do país. Mesmo que o carnaval de salão continue a existir como passarela para exibicionismo da classe de cima, o mais puro e original do carnaval de rua continua sendo o protagonismo do povo. As pessoas que passam o ano inteiro dobradas sob o peso da exploração rasgam sua fantasia de povo submisso e lançam seu grito alegre e provocador, afirmando em cores e ritmos que a dignidade e a fraternidade são inegociáveis. Como o Deus de Jesus, precisamos aprender a ver o que é escondido!
As Palavra de Deus recorre a imagens fortes e comoventes. Falando em nome de Deus, o profeta Joel pede que rasguemos o coração e não as vestes, que mudemos nossas atitudes profundas e não a exterioridade das fantasias. Já vivemos o suficiente, e sofremos o bastante, para aprendermos que não basta mudar de governo, de partido ou de Igreja. A desumanidade corroeu todas as instituições e setores sociais. Sem arrependimento sincero, sem mudança profunda e estrutural não há esperança possível nem comportamento inocente. Deus é benigno e paciente, mas insere sua ação nas ações minimamente humanas.
No Evangelho, Jesus ousa lançar suspeita até sobre a religião e suas expressões mais piedosas, como são o jejum, a esmola e a oração. Não basta proclamar que Deus está acima de tudo, pois isso pode ser mero artifício para enganar os piedosos ou uso da religião para esconder interesses de classe. O simples uso público e político da religião já deve soar como sinal de alarme, pois pode beirar à hipocrisia e busca de vantagens, elogios e votos. “Deus não atende a oração daquele que não escuta o grito do pobre, porque não poderá jamais haver culto autêntico se aqueles que o celebram são causa de injustiça”, dizem os Bispos do Brasil.
Ao mesmo tempo em que questiona o uso da religião para fins individuais ou políticos, Jesus repete que Deus vê o que está oculto ou escondido. Junto com a certeza de que Deus vê aquilo que fazemos sem publicidade, precisamos cultivar o próprio olhar de Deus, ou seja, a capacidade de ver aquilo que não tem notoriedade: a doação e o engajamento sincero e cotidiano de milhares de pessoas pelo bem comum; os grupos e movimentos que dão o melhor de si para que as políticas públicas beneficiem quem delas necessita; a multidão de homens e mulheres que, em nome da sua fé, defendem e servem os pobres e as vítimas.
No momento em que presenciamos atônitos a ação de um governo que se recusa a implementar políticas públicas para enfrentar os problemas e necessidades que atingem a maioria do povo e pretende alcançar a segurança e a ordem por caminhos que não asseguram e até desrespeitam os seus direitos, a Campanha da Fraternidade nos pede engajamento lúcido e incansável. Pois, como lemos no Texto-base da Campanha da Fraternidade, sem democracia e participação da sociedade, as políticas públicas tendem a refletir apenas a força dos agentes do mercado, de um grupo político ou mesmo das próprias burocracias estatais (cf. nº 23).
Pai misericordioso e compassivo, que governas o mundo com justiça e amor, dá-nos um coração sábio e capaz de reconhecer o teu Reino entre nós. Em sua misericórdia e habitando entre nós, Jesus testemunhou teu infinito amor e anunciou o Evangelho da fraternidade e da paz. Que seu exemplo nos ensine a acolher os pobres e marginalizados, nossos irmãos e irmãs, lutando por políticas públicas justas e inclusivas, e nos estimule a ser construtores de um país mais humano e solidário. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Joel 2,12-18 | Salmo 50 (51)2ª. Carta de Paulo aos Coríntios 5,20-6,2 | Evangelho de São Mateus 6,1-6.16-18

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