sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

ANO B | TEMPO DO NATAL | MANIFESTAÇÃO DO SENHOR (EPIFANIA) | 03.01.2021

Deus desmonta a ideologia do poder e da exclusividade!

O natal promovido e dinamizado pelo comércio vai desaparecendo das vitrines enquanto os comerciantes fazem suas contas. As liquidações ainda atraem alguns consumidores insaciáveis, um tanto indiferentes à pandemia que vai consumindo vidas. Mas a liturgia católica vai na contramão, e está a nos lembrar que o mistério do Natal de Jesus ainda não se esgotou, e continua a nos iluminar e interpelar com sua novidade inapreensível e sua beleza envolvente. A festa da epifania de Jesus sublinha um aspecto novo do Natal: em Belém, Deus se manifesta como caminho de libertação de todos os povos.

Algumas décadas depois do nascimento de Jesus, e vários anos depois de ele ter sofrido a condenação e a morte e de ter sido ressuscitado, ressoa na voz de Paulo uma convicção já arraigada na vida dos discípulos e discípulas: em Jesus, na sua vida e nas suas palavras, Deus revela sua mais límpida vontade, ou seja, que todos os povos e nações que não pertencem ao judaísmo – os chamados pagãos – são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, e são associados à mesma promessa, a isso que os judeus afirmavam ser exclusivamente reservado a quem fosse da sua raça e aceitasse suas leis.

Ainda hoje somos tentados a dividir a humanidade em dois grupos: judeus e pagãos, as pessoas do bem e as pessoas do mal, os cidadãos e os não cidadãos, os santos e os pecadores, os cristãos e os hereges, os que tem méritos e os que nada merecem, nós e eles, e assim por diante. Via de regra, aqueles que estabelecem e proclamam essa divisão se incluem sempre no primeiro grupo, os que agradariam a Deus e para quem Deus teria revelado sua vontade! Não conseguem imaginar ou entender que, em Belém e na Galileia, na Judeia e na Samaria, Jesus tenha contestado e desmascarado essa ideologia.

Mas a manifestação de Deus em Belém e em Nazaré, na estrebaria e na cruz, nas estradas e no templo, se confronta com uma outra doce e piedosa tentação: a ideologia do poder, que imagina e anuncia que Deus é todo-poderoso e age prioritariamente mediante as pessoas que se destacam pelo poder, pelo saber ou pela riqueza. Ao proclamar que o Senhor dos senhores veio a nós e que em suas mãos está o poder e a realeza, e ao perguntar onde está o rei dos Judeus que acaba de nascer, a liturgia de hoje e os magos do evangelho parecem confirmar essa ideologia. Mas ambos nos remetem a um Menino, sem poder ou realeza.

Com a liturgia da epifania, a Igreja quer suscitar nos cristãos tanto a alegria como o discernimento, mas a primeira depende essencialmente do segundo. Orgulhosas pretensões de superioridade não podem nos levar a esquecer que os primeiros que se mostraram capazes de reconhecer a manifestação de Deus em Jesus Cristo foram pastores e pagãos, pecadores e prostitutas. Enquanto pagãos deixam a zona de conforto, buscam e perguntam, o poderoso Herodes é tomado pelo medo e os sacerdotes não dão um único passo.

Em Jesus, Deus vem ao encontro daqueles que estão longe, que são tratados como últimos, que nada merecem e nada podem. E se revela aos utópicos e sonhadores, aos buscadores de terras sem males, aos construtores da paz solidária, aos nômades e vagantes num mundo que aborta os sonhos, que substitui o paraíso pelos shoppings centers, que não reconhece limites para a ambição, que repete doces mentiras para convencer os pobres a aprovar projetos que os golpeiam.

Diante de tão grande e belo mistério, que passou despercebido às gerações anteriores e parece um equívoco aos poderosos e indiferentes de hoje, uma parte da nossa resposta é aquela à qual nos chama a profecia de Isaias: levantar os olhos, ver a libertação desabrochando por todos os lados, ficar radiante e vibrar de alegria, sentir o coração batendo forte e querendo saltar pela boca. Mas o outro lado dessa resposta é a ruptura com todo e qualquer resquício de colaboração com a ideologia dos meios poderosos e da superioridade ética ou religiosa. Aprendamos com os magos que, depois de adorar Jesus, voltam por outro caminho.

Jesus, Deus Menino, Deus em fraldas, carne da nossa carne! Chegamos a esta fase da nossa caminhada e à tua tenda, que é casa de todos os homens e mulheres de boa vontade, acompanhando buscadores estrangeiros e guiados por sinais às vezes obscuros. Na verdade, é unicamente a sede que guia-nos à fonte, é unicamente a busca que nos mantem no caminho, é apenas o sonho que nos mantém com os pés no chão. E isso é tudo o que te oferecemos: nossa sede, nossa busca, nossos sonhos.  Pois sabemos que, mesmo quando não te vemos nem reconhecemos, já nos encontraste e abraçaste, incondicionalmente. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 60,1-6 | Salmo 71 (72) | Carta de Paulo aos Efésios 3,2-6 |  Evangelho  de São Mateus 2,1-12

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