Comunidade MSF de Manila |
Uma
comunidade com vocação intelectual
À medida em que passava o tempo e se aproximava
o término da visita, crescia um duplo sentimento: o primeiro era obviamente de
cansaço, por uma visita sem pausas, com deslocamerntos quase diários e sem
conhecimento da língua; o segundo, de alegria, pela sensação de missão (quase)
cumprida e pela proximidade do retorno à casa. É assim que me sentia enquanto
colocava ordem as anotações desta inesquecível visita e me
preparava para a última etapa da missão: visitar a comunidade MSF em Manila,
nas Filipinas.
O velho hábito de economizar com a compra de
passagens nos levou a cometer mais uma imprudência: viajar durante a noite.
Assim, partimos da nossa casa em Jakarta às 20:00 do dia 27 de março, prevendo
a possibilidade de engarrafamento (que em se tratando de Jakarta é sempre bem
mais que simples possibilidade). Mas desta vez a surpresa foi positiva: em menos
de 45 minutos chegamos ao grande e belo aeroporto internacional de Jakarta.
Como nosso vôo partiria somente às 00:55 da madrugada, nossa espera se
prolongou por 4 horas!
O vôo partiu na hora marcada e transcorreu sem
maiores dificuldades. Depois da refeição, servida às 02:00 da madrugada, dormi
um bom sono (apesar do proverbial desconforto dos assentos de avião). Chegamos
a Manila às 05:55 (4 horas de vôo e 1 hora de fuso horário). Enfrentamos longas
e demoradas filas para regularizar a imigração, mas depois de mais ou menos 1
hora vislumbramos aliviados o rosto alegre do Pe. Iwan, coirmão da Província de
Kalimantan, que nos esperava. Tomamos um taxi e gastamos praticamente 1 hora
para chegar à única casa que a Congregação mantém nas Filipinas, situada à Doña Maria Street, 34.
Casa MSF em Quetzon City, Manila |
Como denota o nome da rua acima citada, as
Filipinas conservam as marcas de uma dupla presença colonialista: dos espanhóis
(1521-1872) e dos norteamericanos (1896-1935). O inusitado é que, depois de um
breve período de autonomia, que terminou com uma rebelião interna, as Filipinas
caíram de novo sob o domínio da Espanha que, por sua vez, as vendeu aos Estados
Unidos por 20 milhões de dólares! Em 1935, este país insular passou a ser
considerado estado livre associado aos EUA e, em 1946, depois de sofrer invasões durante a II Guerra Mundial, finalmente conseguiu sua autonomia.
Composto de 7.100 ilhas e com uma população de
mais de 94 milhões de habitantes, Filipinas é o 12° maior país do mundo em
termos de número de habitantes. Digno de nota é o número de filipinos que vivem
fora do país: mais de 11 milhões! São a maior colônia de imigrantes em Roma.
Mais de 90% da população filipina é cristã, e 80% é de católicos. Junto com Timor
Leste, Filipinas são os únicos países do oriente com maioria cristã. Apenas 10%
da sua população é mussulmana, e se concentra nas ilhas do sul do arquipélago,
próximas de Kalimantan.
Capital das Filipinas, Manila tem uma população
de 1.700.000 de habitantes. Quezon City, cidade na qual estamos localizados e
que faz parte da área metropolitana de Manila, tem 2.700.000 habitantes. Aqui,
estamos dentro do bairro chamado Don José Heights, um quarteirão fechado,
exclusivo da classe economicamente alta e com ingresso controlado (uma espécie
de Alphaville!). Não posso calar uma pergunta: é aceitável que um MSF se instale em endereços como esse? Em 2004 compramos aqui
uma casa com a finalidade de acolher coirmãos para estudos de especialização,
provindos especialmente das províncinas da Java, Kalimantan e Madagascar,
desfrutando dos bons centros teológicos que a capital católica do oriente
oferece. No ano 2011, a Província de Kalimantan decidiu iniciar aqui também uma
presença apostólica.
O 'turista religioso' no tipico moto-taxi filipino... |
Atualmente, vivem nesta comunidade 5 coirmãos
(mais 1, que está voltando para Kalimantan). O mais antigo é o simpático Pe.
Lukas Huvang Sekyawan Ajat, 45 anos de idade, natural da Kalimantan, meu
conhecido desde o Capítulo Geral de 2001. Com mestrado em
teologia social, veio a Manila para estudar Pastoral e Aconselhamento Familiar,
curso que já concluiu. Como domina perfeitamente o inglês e também
o tagalo,
língua original e predominante nas Filipinas, o bispo o nomeou vigário da
Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, administrada por um padre jesuíta. Muito
provavelmente será o pároco da paróquia que está sendo negociada entre o bispo
e a Província de Kalimantan.
Faz parte da comunidade – que nasceu
internacional e interprovincial, mas hoje é exclusivamente de Kalimantan – o
Pe. Franziskus Iwan Yamrewaw, 33 anos, nascido em Kalimantan de mãe que foi
mussulmana até à universidade. Sua competência intelectual lhe possibilitou
concluir com êxito o curso de especialização em formação, além do domínio
perfeito da língua inglesa e tagalo. Em Manila recebeu pelo menos três
tentadoras ofertas de trablho, mas está voltando a Kalimantan, onde se dedicará
à nobre missão de contribuir na formação dos
futuros missionários.
O terceiro coirmão que vive em Quezon City –
nome que homenageia o presidente filipino que fundou esta cidade – é o Pe.
Fabianus Teddy Kananites Aer, 44 anos, que há um ano concluiu seu segundo
período como superior provincial de Kalimantan. Filho de mãe induísta e pai
protestante, este jovem e idealista missionário nascido na ilha Sulawesi, no
passado foi candidato à missão em Madagascar e chegou a iniciar os estudos de
língua francesa em Lyon, veio a Manila para aprofundar seus estudos sobre a
Pastoral da Juventude.
O também tipico 'micro-onibus' de Manila |
O Pe. Augustinus Siswosumato, 56 anos, é o
quarto membro desta comunidade. Javanês de origem mussulmana, hoje membro da
Província de Kalimantan, recebeu o batismo no período em que frequentava o
ensino médio numa escola católica. Seus pais aderiram ao cristianismo somente
três anos antes da sua ordenação. Sua vocação está ligada a um limite físico:
como criança, tinha dificuldades de falar e não conseguia pronunciar o “erre”.
Frequentando a escola e ouvindo falar das curas que Jesus fazia, imaginou que
poderia ser um dos beneficiados. Curado, sentiu que deveria retribuir a graça
dedicando-se à evangelização. Está em Manila aproveitando seu Ano Sabático para
estudar Aconselhamento Pastoral.
O último membro da comunidade é o Pe. Jacobus
Lingai Imang. Nascido na região de Tering, sobre a qual já relatei algo anteriormente, este coirmão de 55 anos é filho de pais que
se tornaram católicos durante a escola média. Trabalhou durante 5 anos na
missão que a Província de Java mantinha em Papua-Nova Guiné. Mesmo enfrentando
um tumor na garganta, veio a Manila para estudar Sociologia Pastoral, e está
pronto a permanecer aqui e assumir, junto com o Pe. Lukas, a paróquia que a
diocese de Novaliches possivelmente confiará à Província de Kalimantan nos próximos meses.
Alguns dos coirmãos, habituados
a serem minoria na Indonésia, observam e comentam que aqui o povo é catolicíssimo e tem uma grandíssima reverência pela
figura do padre. Todos, das crianças aos vovôs saúdam respeitosamente e beijam a mão dos padres
assim que os identificam. Mas, ao mesmo tempo, esta religiosidade marcadamente
piedosa, emocional e festiva vem misturada com um consumismo desenfreado, bem
ao estilo norteamericano, e com um preocupante laxismo ético e moral, um pouco
ao nosso estilo latinoamericano (!?). E disso não escapam os
religiosos e o clero em geral...
Um 'ponto de taxi' com muitas ofertas... |
Pessoalmente, lamento que esta comunidade,
criada com identidade interprovincial e vocacionada ao aprofundamento
intelectual e missionário tenha mudado seu caráter. Com o fim do interesse da Província de Java e
as dificuldades enfrentadas por Madagascar (distância geográfica e língua), os membros são hoje todos da Província de Kalimantan. Penso que o
Governo Geral deve ser guardião da sua vocação original e estimular os Superiores provinciais a desfrutar desta
oportunidade de formação linguística e teológico-pastoral para seus coirmãos. Ao mesmo tempo, abre-se a
possibilidade de ampliar nossa presença missionária no
continente asiático para além da Indonésia:
Filipinas, Tailândia e assim por diante.
Nossa visita durou menos de dois dias...
Partimos de novo a Jakarta no dia 29. Gastamos mais de 1 hora e meia de taxi,
entre a nossa casa e o aeroporto. Partimos de Manila às 21:00 e chegamos a
Jakarta às 23:45. Tivemos que fazer um novo visto para entrar na Indonésia,
retiramos as bagagens, fomos acolhidos por um coirmão de Java e
chegamos à Comunidade MSF Sunter quando eram quase 2 horas da madrugada. Ainda
bem que a visita terminava, e teríamos dois dias de descanso, antes de
voltar a Roma. Tempo precioso para colocar em ordem estas já longas crônicas da visita à ilha dos “grandes
rios” (na língua nativa, kalimantan).
Itacir Brassiani msf
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