Jesus
de Nazaré, aquele que veio para servir.
Seguir os passos de Jesus de Nazaré e imitar seu modo
de viver é o que os religiosos e religiosas nos propomos. Nem mais, nem menos,
apenas isso, e sempre! Mas, para realizar este ousado projeto que nos envolve
inteiramente como pessoas e instituição, precisamos “permanecer com Jesus, que
caminha conosco e faz arder o coração”. É no encontro com ele e na adesão ao
horizonte absoluto que deu sentido à sua vida e sua ação – o Reino de Deus –
que poderemos vislumbrar o “núcleo identitário da Vida Religiosa Consagrada”.
Nesta perspectiva, é importante não esquecer que, no
episódio de Emaús, a Palavra que Jesus anuncia aos discípulos que caminham
desencantados é aquela que os ajuda a compreender que o Filho do Homem ungido e
enviado ao mundo para conduzi-lo à vida plena realiza sua missão assumindo a
figura de Servo, de Cordeiro. Ele veio para dar sua vida em resgate por muitos,
veio para servir, e não para ser servido!
“Tenham em vocês
os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus: Ele estava na forma de Deus,
mas renunciou ao direito de ser tratado como Deus. Pelo contrário, esvaziou-se
a si mesmo e tomou a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens. E
encontrado na figura de homem, rebaixou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até
à morte, e morte de cruz” (Fil 2,5-8). Eis aqui o núcleo identitário da
vida religiosa: dar a vida para que todos tenham vida; inclinar-se diante da
humanidade para lavar os pés dos homens e mulheres, e isso tanto pessoalmente
como comunitariamente.
A atitude e a ação de Jesus como Servo está
plasticamente representada no gesto do lava-pés (Jo 13,1-20). Colocando-se aos
pés dos discípulos, Jesus desfaz a idéia de um Deus celeste e soberano e nos
revela um Deus servidor da humanidade. Ele não age de cima para baixo, como
quem dá uma esmola, mas de baixo para cima, elevando os homens e mulheres ao
seu próprio nível. Com este gesto, Jesus
deslegitima as hierarquias e inaugura uma comunidade na qual todos as pessoas
são ao mesmo tempo servas e senhoras. Jesus não se rebaixa; ele
simplesmente não reconhece nenhuma espécie de hierarquia e desigualdade entre
as pessoas. Na comunidade inaugurada por Jesus a diferença não significa
hierarquia, as funções e responsabilidades não justificam nenhuma
superioridade. Nenhuma pretensão de
superioridade pode se pretender legítima, porque colocar-se acima de uma pessoa
significa colocar-se acima de Deus.
O papa e agora santo João Paulo II escrevia: “Ao lavar
os pés (aos discípulos), Jesus revela a profundidade do amor de Deus pelo
homem: nele, o próprio Deus se põe ao
serviço dos homens! Mas revela ao mesmo tempo o sentido da vida cristã e,
com maior razão, da vida consagrada, que é vida de amor oblativo, de serviço concreto e generoso. No
seguimento do Filho do Homem, que “não veio ao mundo para ser servido, mas para
servir” (Mt 20,28), a vida consagrada, pelo menos nos períodos melhores da sua
longa história, caracterizou-se por este ‘lavar os pés’, ou seja, pelo serviço sobretudo aos mais pobres e
necessitados” (Vita Consecrata,
75). E, no final da exortação, convidando-nos a olhar para o futuro: “Fazei da
vossa vida uma ardente expectativa de Cristo, indo ao encontro dele como
virgens prudentes que vão ao encontro do Esposo. (...) Desse modo, sereis
renovados por ele, dia após dia, para construir com o Espírito comunidades
fraternas, para com ele lavar os pés aos
pobres e dar a vossa insubstituível contribuição para a transfigração do
mundo” (n° 110).
A propósito, expondo as linhas fundamentais de uma
espiritualidade missionária, o Papa Francisco fala do “prazer espiritual de ser
povo” (cf. Evangelii Gaudium,
268-274): é preciso desenvolver o prazer espiritual de estar próximo da vida
das pessoas e descobrir que isso é fonte de uma alegria superior. “Jesus quer
que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros”, que
superemos a tentação de uma prudente distância das chagas de Jesus (n° 270). “É
claro que Jesus não nos quer como príncipes que olham desdenhosamente, mas como
homens e mulheres do povo” (n° 271). “É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E
ganhamos plenitude quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e
nomes!” (n° 274).
Lembro aqui também a
bela oração de Charles de Foucauld, que pode ser considerada uma síntese da sua
espiritualidade e um programa de vida para os consagrados e consagradas: “Dai-me, Senhor, a graça de
aproveitar da vossa lição. Fazei que me considere sempre servidor de todos,
servidor das almas e dos corpos, para fazer a cada um o maior bem possível;
servidor que serve sempre que a ocasião se apresenta; servidor que toma o
último lugar; servidor que não se faz servir pelos outros; servidor que em
qualquer situação procura servir os outros, como vós me ensinastes. Vós que,
sendo Deus e Senhor, quisestes viver entre nós como aquele que serve. Amém!”
É verdade que, salvo algumas exceções, sempre temos declarados em alto e bom som
que nossa meta é servir a Deus, servir à Igreja, servir o povo. Ocorre que
tendemos a fazer isso assumindo ares de professores e capitães, como indivíduos
que ensinam e mandam. Agrada-nos mais um Cristo com jeito e privilégios de
senhor que um Jesus Servo; um Cristo com vestes e postura de rei e juiz que um
Jesus sentado à mesa junto com os pecadores
e pobres. Com que frequência ficamos discutindo o que a VRC tem a mais ou em
que é superior aos demais estados de vida, esquecendo-nos de que, do ponto de
vista evangélico, ela só pode ser superior ao nosso próprio estilo de vida
anterior; que ela é um caminho que nos chama a uma conversão mais radical e
mais permanente...
O desafio real e urgente não é apresentarmo-nos como
Servos/as, mas encontrar expressões concretas e compreensíveis de serviço.
Muitas iniciativas e projetos, inicalmente ousados e generosos, com o passar do
tempo vão perdendo sua meta, tornando-se obras potentes e rígidas, e muitas
vezes acabam fazendo o contrário daquilo que as fez nascer. Como estabelecer a
prioridade da busca de uma maior e necessária leveza institucional que esteja a
serviço da missão, ou seja: que ajude visibilizar nossa condição e nossa
vocação de Servos/as dos pobres, de servidores do Reino de Deus? Aqui não é o
lugar para indicar caminhos concretos, mas o que não podemos é fazer de conta
que servir seja apenas um verbo a mais, como crescer, sobreviver, ensinar e
acumular.
A estas alturas, outras perguntas perguntas me
inquietam e fazem pensar: Que lugar pode ocupar a VRC em uma sociedade que é
fruto de um processo emancipador e em uma Igreja que ousa se pensar como povo
de Deus, profético e peregrino no mundo, todo inteiro chamado à santidade?
Quais são os principais desafios diante dos quais as pessoas consagradas e seus
institutos não podem desviar o olhar ou esconder a cabeça na areia? Como viver
com autenticidade e alegria o
seguimento de Jesus Cristo Servo em tempos tão críticos e tão pleno de
encruzilhadas?
Itacir Brassiani msf
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