quinta-feira, 7 de agosto de 2014

19° Domingo do Tempo Comum (Ano A - 2014)

O Senhor nos acompanha em todas as travessias.
A vida é uma travessia e viver é caminhar. As travessias costumam ser arriscadas e causam medo. Há aqueles que preferem evitá-las sempre, pois estão convictos de que o risco não compensa. São pessoas que fecham os ouvidos a todo todo e qualquer chamado; padres que desempenham sua missão pastoral como uma atividade qualquer ou até como uma carreira; pais e famílias que se recusam a avançar na tarefa de repensar a forma de realizar essa exigente missão; fiéis que preferem as velhas e potentes imagens de Deus ao desafio de descobri-lo na brisa leve da luta pela justiça.
Mas a revelação de Deus é experimentada mais claramente nos movimentos de passagem que na estabilidade dos templos e dos lugares-comuns: do Egito para a terra prometida; do centro para a periferia; do eu para o nós; da aparente segurança das cavernas para o descampado estimulante da montanha; do poder para o serviço; da auto-suficiência para a entre-ajuda; do peso das estruturas eclesiásticas para a leveza e a criatividade do Espírito. Parece que Deus não gosta de se estabelecer. A Deus agrada mais o campo aberto e as estradas que os templos, imitem ou não o de Salomão...
Como nos foi lembrado no domingo passado, os discípulos de Jesus imaginavam um Deus indiferente às necessidades dos famintos ou suficientemente poderoso para resolver sozinho todas as dificuldades do povo. Esta é a imagem de Deus que predomina nas diversas religiões e em amplos setores do povo católico ainda hoje. Mas Jesus revela-se um Deus compassivo com os pobres, um Deus que tem necessidade da nossa colaboração – nem que seja apenas cinco pães e dois peixes! – na sua ação libertadora. E é ele que nos convida a superar o medo e confiar na sua presença em todas as travessias.
Porém, apesar dos séculos de pregação, as imagens de um Deus poderoso e ameaçador, ou então nacionalista e ligado aos interesses de pequenos grupos, ainda não se apagaram da nossa memória. Ensinaram-nos que Deus se revela no poder destruidor dos terremotos, no fogo devorador das ideologias totalitárias, no mistério aterrador dos furacões, nos pesados decretos que condenam, na dura punição aos que erram. Segundo essa ideologia religiosa, Deus seria onipotente, onisciente e onipresente, e quanto mais poder ou saber alguém possui, mais se pareceria com ele...
Diante de um Deus com estas características, caímos por terra ou gritamos de medo. E do ventre do medo não costuma nascer o amor que se faz dom, mas a agressividade da autodefesa ou da dominação. Um Deus com tais traços é um fantasma, uma fantasia que se abriga nas pessoas que não superaram o desejo infantil de onipotência. E este fantasma, via de regra, está a serviço das diversas formas de dominação e de infantilização religiosa, econômica e política. Parecemo-nos com Pedro, que tenta caminhar sobre as águas, revelando seu desejo de participar da presumida onipotência de Deus...
É o medo dos ventos contrários, das diferenças e dos questionamentos que gera a dúvida e nos leva a afundar, tanto em termos humanos como espirituais. O medo não nasce da verdadeira experiência de Deus, mas de uma imagem parcial ou confusa de Deus. É isso que percebemos nos discípulos no episódio da travessia do mar: a força do vento e das ondas que fustiga a barca como a tirania dos poderosos, somada à idéia de um Deus que caminha indiferente sobre as ondas, arranca-lhes gritos de pavor. E esta dúvida sobre a divindade de um Jesus frágil e compassivo leva Pedro a afundar apavorado.
Paulo lamenta que seus irmãos de raça e sangue tenham se apegado às leis, à religião, às instituições e às promessas como se fossem um privilégio que os colocam acima dos demais seres humanos ou povos e fora das peripécias e exigências da história. Talvez seja esse o maior obstáculo aos acordos de paz, tão necessários à vida mínima de israelenses e palestinos. Isso nos lembra que filiação é um dom e uma graça que carregamos como tesouro em um vaso de barro, e jamais um mérito ou uma propriedade. Nem todos aqueles que ostentam o título de cristãos o são de fato...
Deus, pai e mãe, presença amorosa e encorajadora em todas as humanas travessias: Tu conheces a generosidade e a ambiguidade, a coragem e o medo de cada um de nós. A tentação continua nos levando a te procurar no fogo, no terremoto, na ventania, nos acontecimentos que impressionam. Vem ao nosso encontro como calmaria! Socorre nossa pouca fé e cura as dúvidas do nosso coração e os desvios do nosso afeto. Ensina os pais a cuidar dos filhos e filhas, colocando-se entre eles e guiando-os como modelos de vida, e não como patrões e senhores. E que nossas famílias sejam escolas de comunhão. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(1° Livro dos Reis 19,9-13 * Salmo 84 (85) * Carta aos Romanos 9,1-5 * Mateus 14,22-33)

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