PRESERVAR A PERSPECTIVA SINGULAR DO
PAPA: A ECOLOGIA INTEGRAL
O
Papa Francisco operou uma grande virada no discurso ecológico ao passar da ecologia
ambiental para a ecologia integral. Esta inclui a ecologia político-social, a
mental, cultural, a educacional, a ética e a espiritual.
Há
o risco de que esta visão integral seja assimilada dentro do costumeiro
discurso ambiental, não se dando conta de que todas as coisas, saberes e
instâncias são interligadas. Quer dizer o aquecimento global tem a ver com a
fúria industrialista, a pobreza de boa parte da humanidade está relacionada com
o modo de produção, distribuição e consumo, que a violência contra a Terra e os
ecossistemas é uma deriva do paradigma de dominação que está na base de nossa
civilização dominante já há quatro séculos, que o antropocentrismo é
consequência da compreensão ilusória de que somos donos das coisas e que elas
só gozam de sentido na medida em que estão colocadas ao nosso bel-prazer.
Ora, é essa cosmologia (conjunto de idéias, valores, projetos, sonhos e
instituições) leva o Papa a dizer:”nunca temos maltratado e ofendido nossa casa
comum como nos últimos dois séculos”(n.53).
Como
superar essa rota perigosa? O Papa responde: ”com uma mudança de rumo” e ainda
mais com a disposição de “delinear grandes percursos de diálogo que nos ajudem
a sair desta espiral de autodestruição na qual estamos afundando”(n.163). Se
nada fizermos podemos ir ao encontro do pior. Mas o Papa confia na capacidade
criativa dos seres humanos que juntos poderão formular o grande ideal :”um só
mundo e um projeto comum”(164).
Bem
diversa é a visão imperante e imperial presente na mente dos que controlam as
finanças e os rumos das políticas mundiais:”um só mundo e um só império”. Para enfrentar os múltiplos aspectos críticos de nossa situação o Papa propõe a
ecologia integral. E lhe dá o correto fundamento: “Do momento que tudo está
intimamente relacionado e que os atuais problemas exigem um olhar que atenda a
todos os aspectos da crise mundial….proponho uma ecologia integral que
compreenda claramente as dimensões humanas e sociais”(n.137).
O
pressuposto teórico se deriva da nova cosmologia, da física quântica, da nova
biologia, numa palavra, do novo paradigma contemporâneo que implica a teoria da
complexidade e do caos (destrutivo e generativo). Nessa visão o repetia um dos
fundadores da física quântica Werner Heisenberg: “tudo tem a ver com tudo em todos
os pontos e em todos os momentos; tudo é relação e nada existe fora da
relação”.
Exatamente
essa leitura o Papa a repete inumeráveis vezes, constituindo o tonus firmus de suas explanações.
Seguramente a mais bela e poética das formulações a encontramos no número 92
onde enfatiza: “tudo está em relação e todos nós seres humanos estamos unidos
como irmãos e irmãs …com todas as criaturas que se unem conosco com terno e
fraterno afeto, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe Terra (n.92).
Essa
visão existe já há quase um século. Mas nunca conseguiu se impor na política e
na condução dos problemas sociais e humanos. Todos permanecemos ainda reféns do
velho paradigma que isola os problemas e para cada um procura uma solução
específica sem se dar conta de que essa solução pode ser maléfica para outro
problema. Por exemplo, resolve-se o problema da infertilidade dos solos com
nutrientes químicos que, por sua vez, entram na terra, atingem o nível freático
das águas ou os aquíferos, envenenando-os.
A
encíclica nos poderá servir de instrumento educativo para apropriarmo-nos desta
visão inclusiva e integral. Por exemplo, como assevera a encíclica:“quando
falamos de ambiente nos referimos a uma particular relação entre a natureza e a
sociedade; isso nos impede de considerar a natureza como algo separado de
nós….somos incluídos nela, somos parte dela”(n.139).
E
continua dando exemplos convincentes: “toda análise dos problemas ambientais é
inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, trabalhistas, urbanos
e da relação de cada pessoa consigo mesma que cria um determinado modo de
relações com os outros e com o ambiente”(n.141). Se tudo é relação, então a
própria saúde humana depende da saúde da Terra e dos ecossistemas. Todas as
instâncias se entrelaçam para o bem ou para o mal. Essa é textura da realidade,
não opaca e rasa mas complexa e altamente relacionada com tudo.
Se
pensássemos nossos problemas nacionais nesse jogo de inter-retro-relação, não
teríamos tantas contradições entre os ministérios e as ações governamentais. O
Papa nos sugere caminhos. Estes são certeiros e nos podem tirar da ansiedade em
que nos encontramos face ao nosso futuro comum.
Teilhard
de Chardin tinha razão quando nos anos 30 do século passado escrevia: “A era
das nações já passou. A tarefa diante de nós agora, se não pereceremos, é
construir a Terra” . Cuidando da Terra com terno e fraterno afeto no espírito
de São Francisco de Assis e de Francisco de Roma, podemos seguir “caminhando e
cantando” como conclui a encíclica, cheios de esperança. Ainda teremos futuro e iremos irradiar.
Leonardo Boff