Que nosso coração seja
como o de Jesus: grande e compassivo!
A
tentação de imaginar Deus de forma abstrata e de propor a mensagem cristã de
forma estritamente doutrinal está sempre a nos rondar. O princípio de um Deus
uno e trino celebrado na solenidade da Santíssima
Trindade pode virar uma questão de matemática ou de metafísica. A boa
notícia recordada na solenidade de Corpus
Christi pode descambar para uma discussão polêmica e inoportuna. Na
solenidade do Sagrado Coração de Jesus
recordamos agradecidos que Deus tem um grande coração, um coração humano e
compassivo. E isso não tem nada a ver com um Deus distante, abstrato e sádico.
Bem que o
primeiro testamento proíbe que se faça imagens de Deus. Imaginar Deus é
difícil, perigoso e pode ter consequências desastrosas. O caminho entre fazer
imagens de Deus e a sua cooptação pelos poderosos e opressores de plantão, em
prejuízo dos pobres, é apenas um passo. Nas últimas décadas, foram feitos esforços
significativos para rever a noção de Deus nos parâmetros da cultura moderna, e
ele foi denominado Absoluto, Transcendente, Divindade... Mas também estas
imagens são abstratas e ambíguas, e podem ajudar a cavar ou ampliar uma espécie
de abismo entre Deus e ser humano...
Nos
séculos XVII-VIII nasceu e se espandiu um movimento espiritual que queria
corrigir o formalismo da teologia e da espiritualidade cristãs e recolocar a
experiência prática e o sentimento no centro da vida cristã. É neste contexto que
nasce a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Em 1675, Jesus teria aparecido a Santa
Margarida Maria Alcoque e dito, descobrindo seu
Coração: “Eis o coração que tanto tem amado aos homens
e em recompensa não recebe, da maior parte deles, senão ingratidões
pelas irreverências e sacrilégios, friezas e desprezos
que têm por Mim neste Sacramento de Amor”.
A
perspectiva de um Deus com coração tem fundamento na Escritura, pois ela nos
apresenta um Deus vivo, caracterizado
pela Compaixão, e é isso que a
solenidade do Sagrado Coração de Jesus
quer colocar em evidência. João nos fala de Jesus pendente da cruz, onde fora
pregado depois de ter sido acusado, traído, condenado e torturado. Fazem-lhe
companhia dois outros proscritos. O dia é soleníssimo, antecede a grande festa
dos judeus. O que o fez chegar a este lugar e a este estado é de domínio público:
ousou desafiar uma certa imagem de Deus, afirmando que ele é, antes e acima de
tudo, Amor.
Sabemos
que o coração de Jesus bate forte pelos últimos da escala social, pelas pessoas
arruinadas por causa de escolhas mal feitas ou de sistemas que excluem. Longe
de cair na armadilha de uma generosidade ingênua, Jesus escolhe muito bem
aqueles a quem dirige seu amor preferencial e ocupam um lugar nobre no seu
coração. Ele vai premurosamente ao encontro das pessoas perdidas, reconduz as
desgarradas, cuida das machucadas, fortalece as doentes, defende a dignidade de
todas. No alto da colina, o corpo pendente da cruz proclama que Deus tem um
coração: ele ama a justiça, estende sua misericórdia de geração em geração, se
aproxima dos necessitados, com ternura de pai e mãe.
Tendo
sido fariseu de estrita observância e implacável perseguidor dos seguidores de
Jesus, Paulo repentinamente se descobre amado e escolhido para testemunhar
Jesus como Messias de Deus e salvador da humanidade. O conhecimento e a
observância da lei o havia fechado em si mesmo e feito dele um homem frio e
orgulhoso. O conhecimento de Jesus Cristo o faz homem livre e frágil, próximo e
servidor da humanidade. Paulo tem a impressão de que a grandeza dessa
experiência não cabe nas palavras, mas faz de tudo para anunciar a eles a
“riqueza insondável de Cristo”.
Por isso,
Paulo sublinha que o desejo de Deus sempre foi que, pela fé e pela adesão a
Jesus Cristo, todos sejam livres para se aproximar de Deus com confiança. É
este o mistério que antes estava escondido e agora deve ser anunciado sem
meias-palavras. Por isso, Paulo implora de joelhos que nossa humanidade
amadureça e se desenvolva, enraizada e alicerçada em Jesus Cristo, para que
tenhamos condições de “conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo
conhecimento”, de entender “a largura, o comprimento, a altura, a profundidade”
desse amor gratuito e imerecido.
Jesus crucificado, terno coração de um
Deus que é pai e mãe, sofrido coração de um homem incapaz de ser indiferente às
dores e dramas humanos: neste dia em que tua Igreja proclama a sacralidade
transcendente do amor, de todos os amores, dobramos os joelhos diante de ti e
pedimos que o teu Espírito nos inunde, renove e guie nos caminhos do amor
terno, despojado e serviçal. Acolhendo no teu coração sagrado o inteiro anúncio
do Reino, dispo-mos a ser como és e a ir onde vais. Faz com que nosso instável
coração adquira a altura, a profundidade e a largura do teu amor. Assim seja!
Amém!
Itacir
Brassiani msf
(Profeta Oséias 11,1-4.8-9 * Isaías 12,2-6 * Carta
aos Efésios 3,8-19 * Evangelho de São João 19,31-37)
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