A força do reino de Deus desmente
nossos falsos realismos.
O Tempo Comum não tem nada de comum e tem
muito de comunidade. É o tempo da
encarnação do Evangelho no cotidiano da vida pessoal, eclesial e social. Tempo
de acolher e contemplar o mistério do Reino de Deus que vai lentamente
adquirindo contornos e produzindo frutos. Tempo de cultivar pacientemente a
esperança que, como o artista do circo, caminha sobre a corda bamba. Renovemos,
pois, a consciência de que somos enviados para caminhar na esperança. E
façamo-lo acolhendo e espalhando muitas sementes, mesmo que pareçam frágeis e
insignificantes.
Isso é
muito importante hoje, pois o realismo
cínico nos é apresentado como a maior das virtudes e se torna uma tentação,
inclusive para as pessoas que dizem acreditar num crucificado que ressuscitou. Querem
nos convencer que nosso mundo sempre foi assim, e que não seremos nós os
protagonistas de uma hipotética mudança. Um outro mundo não seria possível, e ponto final! A sabedoria então seria cada um cuidar
da sua própria vida, não deixando escapar nenhuma oportunidade de derrotar os
outros na competição pela sobrevivência, procurando sempre tirar o máximo de
vantagem...
No
entanto, como cristãos, fazemos parte de uma caravana que percorre os caminhos
da história guiada por outras convicções: as sementes crescem por si mesmas, e
as que parecem pequenas e insignificantes, como a de mostarda e de eucalipto,
se tornam árvores frondosas. Partindo de sua própria experiência e escrevendo
sobre a esperança da ressurreição, São Paulo diz que vivemos como se
estivéssemos fora de casa, como peregrinos que buscam outra morada, outra
cidade. Mas insiste que neste êxodo permanente estamos cheios de confiança.
A fé
cristã se distancia tanto do delírio dos que ardem de paixão por um mundo
fictício e ilusório depois da morte como do conformismo medroso daqueles que
aparam as arestas do Evangelho e o acomodam a um mundo sem coração. Nossa
confiança se inspira na sabedoria dos semeadores que sabem que a semente não é
a colheita, mas isso não os impede de lançá-las generosamente na terra. E eles
o fazem conscientes de que é falta de realismo contar apenas como as forças,
confiar apenas nas nossas estratégias, esquecer a gratuidade e fechar-se às
surpresas da vida.
O que
acontece é que o medo e o controle costumam asfixiar e matar as sementes. “A
terra produz o fruto por si mesma”, nos ensina Jesus, num dos contos populares
que recolheu na zona rural da Palestina e nos oferece hoje. “A semente vai
brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece.” É possível que
um processo de mudança se mostre verdadeiramente profundo quando nos leva à
consciência dos próprios condicionamentos e limites, abrindo-nos a
contribuições outras, iluminando-nos e fecundando-nos pela experiência da
gratuidade.
Precisamos
ser libertados da ilusão da grandeza e colocar no centro da nossa fé a memória
da coragem dos escravos frente ao faraó, a memória da vida de Jesus de Nazaré,
o mistério escondido na semente de mostarda. O Reino de Deus não brilhará
apenas quando chegar o hipotético dia em que não haverá mais compradores de
justiça, a liberdade não será uma ilusão, a verdade será a fonte das notícias e
poderemos crer nas pessoas outra vez. O reino de Deus não é um particípio
passado mas um gerúndio e um futuro: ele “vai sendo” nas milhares de ações de
compaixão e de afirmação da dignidade do outro.
Alcançamos
a desejada e difícil maturidade na fé quando conseguimos conjugar adequadamente
paciência e urgência históricas. Os processos humanos e sociais também têm e
seu ritmo de maturação. Conhecê-los sem controlá-los, e remover as forças que
podem representar obstáculos ao seu desenvolvimento, é a arte das artes. Mas eu acho que hoje o risco que nos ronda
hoje é deixar passar o tempo propício da maturação e da colheita, fechar os
olhos e os ouvidos a Deus, que pede com urgência que sejamos pessoas mais
solidárias, Igrejas mais comunitárias e sociedade mais igualitária.
Jesus de Nazaré, semeador da Palavra que liberta
e nos faz libertadores! Ajuda-nos a compreender que a fé é um dinamismo que nos
abre à escuta de Deus, cria espaços de silêncio nos quais sua Palavra é
acolhida e semeada. Frente às dores e esperanças que habitam o mundo, dá-nos o
senso profundo da peciência e da urgência que tu mesmo exercitaste. Faz com que
essa escuta abra em nós espaços de relação com os outros, fundamente a
convivência de igual para igual, nos ajude a sair das nossas próprias certezas
e nos comprometa numa dinâmica de comunhão e de solidariedade no interior da
qual nasce, cresce e e frutifica o sonho do bem-comum da humanidade. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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