Nossa Senhora Aparecida reúne uma multidão:
qual é o segredo?
Eu fui apenas mais um
entre as mais de 100 mil pessoas que, desde o início da manhã, iam e vinham,
depois de permanecer algum tempo no espaço do Santuário. Que mistério ou que
força é essa que atrai, ano após ano, uma multidão ao pequeno Santuário de
Nossa Senhora Aparecida, em Passo Fundo? E o que essa gente encontra naquele
lugar?
Talvez essa gente não
encontre nada, e o segredo esteja na profética experiência de caminhar, de sair
de casa, de descobrir-se mais que um simples fragmento perdido na cidade, de
experimentar a alegria e a força de ser parte de um povo, de um povo que
caminha, não obstante as forças nefastas que poderiam levar à fuga, ao
fechamento, ao isolamento.
Talvez o segredo
esteja naquela imagem pequenina, quase invisível, menor que quase tudo, encontrada
em pedaços, posteriormente feita em migalhas, profeticamente negra como um povo
escravizado no passado e discriminado no presente; imagem pequena e intencionalmente
simples, acolhida e compreendida por gente simples, em cuja cabeça não cabem
coroas, pois ela não vem dos palácios, mas das senzalas.
Talvez a força que
move essa multidão não esteja nas palavras articuladas, nos sermões proclamados
e nem mesmo nas canções cuidadosamente escolhidas, mas nas palavras silentes e
eloquentes das lagrimas e soluções daquele homem anônimo que, ao meu lado,
dizia tudo sem que eu entendesse nada: diante da memória da mãe negra e no meio
de uma multidão que ele intui que seja sua família, derramou suas dores e
obteve o consolo que não recebeu antes em lugar algum e de quem quer que fosse.
A força que atrai e
seduz talvez esteja implícita e inarticulada no arquétipo de um Deus terno e
materno, que gosta de se manifestar sem falar, cuidando e reunindo, chamando e
acompanhando; de um Deus que não se sente bem nas alturas inacessíveis, mas
vibra de alegria descendo às estrebarias, compartilhando refeições, caminhando
pressuroso ao encontro da ovelha amada, descendo aos infernos, compartilhando o
desespero, surpreendendo caminheiros que antecipam a Aurora.
A multidão com a
qual eu caminhei e celebrei era majoritariamente branca, muito branca. Índios e
escravos poucos sobreviveram às duras penas impostas pelos colonizadores nessas
pampas. E estes poucos talvez ainda não consigam se ver em nossas comunidades e
devoções. Vi gente de pele negra, sim, muitos negros recentemente desembarcados
da África moderna e ainda violentada. Eles trabalhavam vendendo comida e
badulaques, como aqueles de 300 anos atrás, ao mesmo tempo parte da caravana e excluídos
dela. Terão a alegre surpresa de encontrar hoje em suas redes a Mãe, machucada
e quebrada como eles, e nela encontrar um pouco de divino consolo?
Itacir Brassiani msf
Um comentário:
Nossa que belas palavras.��
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