quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

ANO B – QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 28.01.2018

Jesus ensina com autoridade porque seu Evangelho liberta!
“Até quando continuaremos a aceitar que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo possível? Até quando continuarão a soar em sinos de madeira as vozes da indignação? A miséria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, comem os vivos e os mortos...” Há alguns anos estas perguntas lancinantes de Eduardo Galeano me incomodam. Como no episódio da sinagoga de Cafarnaum, no Brasil de hoje as vozes e forças de “deuses cruéis” que se opõem a qualquer mudança em favor do povo não apenas se fizeram ouvir como também ocuparam os meios de comunicação social, assaltaram o Estado e saíram à caça dos poucos direitos conquistados pelas classes populares.
É verdade que são letais as imagens de deuses cruéis que criamos e pregamos, as diversas as imagens de Jesus que circulam em nosso meio, desde aquelas que o aproximam da majestade dos reis até as que o identificam com o jovem de bem com a vida, aquelas de um torturado e banhado em sangue e as outras que o apresentam como um ser absolutamente indiferente diante de tudo. E não se trata apenas de imagens pintadas ou esculpidas, mas também de conceitos que veiculamos nos textos teológicos e espirituais, como aquela de um doce e ingênuo pregador dos valores do céu e da importância da alma...
A imagem de um Jesus ocupado apenas em curar doenças está hoje entre as mais veiculadas. É verdade que os evangelhos nos dizem que Jesus curou muitas pessoas, mas disso não podemos passar à imagem de Jesus como a de um médico ou curandeiro. As curas operadas por Jesus foram poucas e num contexto muito preciso. Não esqueçamos que a doença é um fato social, e não uma simples complicação orgânica. Em situações de alto grau de insegurança e tensão as doenças se multiplicam. Por isso, a verdadeira cura é a recuperação do bem-estar pessoal e social das pessoas, e é isso que Jesus faz.
Jesus não saiu pelos caminhos da Galileia simplesmente oferecendo curas a preços módicos, fazendo concorrência com os médicos e hospitais, como querem dar a entender alguns pregadores de hoje. Para Jesus, o resgate do pleno bem-estar, especialmente dos pobres e doentes, é um sinal da chegada do Messias. Quando cura, sua intenção não é afirmar o próprio poder ou divindade ou fazer fama, mas oferecer sinais de que o Reino de Deus chegou de fato como vida em abundância para as pessoas mais sofridas. E não pensemos que as curas que ele realizava eram aceitas unanimemente...
Na verdade, as ações mediante as quais Jesus restaura a vida e a cidadania das pessoas em sua integralidade são denúncias tácitas da inoperância do sistema político, cultural e religioso que não apenas não possibilita a saúde como também provoca o adoecimento físico e psíquico do povo. Esse enfrentamento com a ordem estabelecida fica claro no luta de Jesus contra os ‘espíritos impuros’. Mas, para compreender o sentido profundo e revolucionário dos “exorcismos” de Jesus precisamos esquecer aquilo que vimos nos filmes de exorcismo e o que vemos hoje nos cultos pentecostais...
No texto do Evangelho deste domingo a questão não é propriamente a possessão ou o exorcismo. Esta que é a primeira ação pública de Jesus relatada por Marcos tem como palco a cidade de Cafarnaum, mais exatamente a sinagoga – que é o espaço dominado pelos doutores da lei e escribas! – e o dia é sábado. Os escribas tinham o poder declarar alguém puro ou impuro, e isso estava ligado com saúde e doença. Ali, diante de um povo admirado com a autoridade do ensinamento de Jesus, uma pessoa possuída por um espírito mau grita seu protesto: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?”
Está muito claro que na voz desse cidadão anônimo e despersonalizado ressoa a voz e o interesse dos escribas, ‘donos do campo’. O que está em jogo nesta cena é a autoridade de ensinar, orientar e liderar o povo: ela pertence a Jesus ou aos escribas? O medo de perder a liderança pode provocar ações e discursos enlouquecidos... Na voz desse homem dominado se manifesta o pânico e a desestabilização provocadas pela autoridade alternativa de Jesus. E isso é confirmado pela própria ação de Jesus: ele luta, ameaça o ‘espírito mau’ e manda que ele se cale e deixe de dominar as pessoas.
Jesus de Nazaré, profeta corajoso na palavra e ousado na ação: Somos teus discípulos e discípulas, e conosco estão os irmãos e irmãs de milhares de comunidade cristãs, além de homens e mulheres de boa vontade que se fazem movimento. Não permitas que vendamos nossa esperança por preço nenhum. Não nos deixes trocar teu Evangelho por ‘antigas lições’, ou fazer de ti um mestre doce e inofensivo. Ajuda-nos a romper com as estruturas de um mundo enamorado da morte, e faz ressoar em nossos sinos de bronze tua boa notícia, a indignação e a esperança! Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Deuteronômio 18,15-20 * Salmo 94 (95) * Primeira Carta aos Coríntios 7,32-35 * Evangelho de S. Marcos 1,21-28)

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