Deus não despreza
ninguém, e tem compaixão de todos!
Estamos iniciando
a caminhada quaresmal, tempo de concentração e de busca do essencial, convite a
voltar a Deus de todo o coração, a vencer a tendência à fragmentação e à
indiferença, a verter todas as energias para o único objetivo realmente
decisivo: acolher a oferta de reconciliação que o próprio Deus nos faz; refazer
as relações fraternas e avançar na superação das violências e na construção de
uma sociedade radicalmente igualitária. Isso significa, entre outras coisas,
reforçar o nosso combate sem tréguas contra os males que se enraízam tanto nos
nossos sentimentos e pensamentos quanto na cultura e na estrutura social do
Brasil, mesmo aqueles embutidos nas reformas ditas imprescindíveis.
Escrevendo
aos cristãos de Corinto, Paulo enfatiza que o próprio Deus toma a iniciativa de
refazer sua aliança e consertar a ruptura que provocamos com a sua proposta: em
Jesus Cristo, ele reconciliou definitivamente consigo o mundo e cada um de nós.
É desse dom incondicional, dessa amizade reatada unilateralmente, que brota
para nós a possibilidade e a exigência de reconciliação com o Pai e com os
irmãos e irmãs. E isso não é algo secundário, mas uma tarefa essencial e coisa
para hoje, para agora! “É agora o momento favorável, é agora o dia da
salvação!”, sublinha o apóstolo das nações.
A
tradição das comunidades cristãs privilegiou três ações que expressam simbolicamente
a mudança de direção e a convergência das forças que marcam o tempo quaresmal:
a esmola, a oração e o jejum. Mas, em
relação a estas práticas de piedade, Jesus Cristo pede vigilância e autocrítica,
pois nem mesmo estas ações estão livres da falsificação e do faz-de-conta. Por
mais piedosos que pareçam, estes gestos podem ser motivados pela busca de aprovação,
de estima e de reconhecimento e, então, afastam da lógica de Deus, que aprecia e
reconhece aqueles que o mundo não vê, aquilo que fica escondido...
Jesus não
a descarta a esmola, mas também não se entusiasma ingenuamente com ela. De
fato, Jesus questiona a motivação e a disposição com a qual costumamos dar
esmola. “Não mande tocar trombeta na frente... Que a sua mão esquerda não saiba
o que a sua direita faz.” O sentido autêntico da esmola é a solidariedade e a
partilha daquilo que temos com as pessoas que tem menos ainda. Mais que dar
daquilo que sobra ou não faz falta, trata-se de partilhar aquilo que é fruto da
terra e do trabalho da humanidade e que, por isso mesmo, não pode ser
privatizado, pertence a todos.
A oração é, na maioria das religiões, uma
expressão de fé e de comunhão com a divindade. Não faltam grupos e pregadores
que insistem na necessidade de rezar muito, de multiplicar terços, ladainhas,
missas e promessas. No Evangelho, Jesus insiste mais na qualidade e na motivação
que na quantidade da oração. Para ele, a
oração é abertura radical a Deus e à sua vontade, superação dos estreitos
limites dos nossos gostos, preferências e necessidades, diálogo íntimo e amigo
com Aquele que quer nosso bem e que não descansa enquanto todos os seus filhos
e filhas não estejam bem.
Quanto ao
jejum, hoje ele está de novo na moda,
e recebe o simpático nome de dieta.
Mas quem a pratica está muito preocupado consigo mesmo, com a saúde ou com a
aparência, e pouco interessado na compaixão e na partilha. No tempo de Jesus,
muitas pessoas usavam o jejum, sinal de arrependimento e de mudança, para
impressionar os outros e aumentar a influência e o poder sobre eles. Como
cristãos, precisamos resgatar o sentido pedagógico do jejum: experimentar a
humana vulnerabilidade e participar solidariamente das necessidades dos nossos
irmãos e irmãs.
Na
espiritualidade quaresmal, o jejum, a
esmola e a oração estão a serviço do fortalecimento da vontade de combater
todas as formas de mal, da conversão ao tesouro do reino de Deus, da renovação
da vida em todas as suas expressões. E isso se mostra cotidianamente na
abertura humilde e reverente a Deus, na consciência da nossa interdependência
em relação aos nossos irmãos e irmãs, na luta permanente para superar todas as
formas de violência, assim como a indiferença e o pragmatismo interesseiro que
podem condicionar as igrejas e religiões em suas relações com a sociedade civil
e o estado brasileiro.
Deus
e Pai, nós vos louvamos pelo vosso infinito amor e vos agradecemos por ter
enviado Jesus, o Filho amado, nosso irmão. Ele veio trazer paz e fraternidade à
família das criaturas e, cheio de ternura e compaixão, sempre viveu relações
repletas de perdão, solidariedade e misericórdia. Derrama sobre nós o Espírito
Santo, para que, com o coração convertido, acolhamos o projeto de Jesus e
sejamos construtores de uma Igreja fraterna e inclusiva e de uma sociedade
justa e sem violência, solidaria e igualitária, para que, no mundo inteiro, cresça
o vosso Reino de liberdade, verdade e de paz. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de
Joel 2,12-18 * Salmo 50 (51) * 2ª. Carta aos Coríntios 5,20-6,2 * Evangelho de S. Mateus 6,1-6.16-18
Nenhum comentário:
Postar um comentário