Ainda temos um longo caminho a percorrer...
A humanidade de Jesus foi e continua sendo uma
pedra de contradição e de escândalo, inclusive para muitos piedosos cristãos.
Aceitá-la e sublinhá-la significa reconhecer o arcano desejo de Deus de se auto
comunicar às suas criaturas, especialmente ao ser humano. Significa também
ressaltar o dinamismo da compaixão que leva Deus a entrar definitivamente na
condição humana e a se identificar com as dores e sonhos da humanidade. É isso
que dá sentido pleno e profundo à ação de Jesus, quando alimentou a multidão
cansada e faminta. E é isso que está no núcleo da catequese de Jesus sobre o
pão da vida.
A longa discussão que Jesus mantém com seus
discípulos e com as autoridades do judaísmo, depois de socorrer a fome do povo,
está longe de ser uma simples catequese espiritual sobre sua presença real nas
espécies eucarísticas. Na verdade, o que está em questão é o modo de conhecer e
de agradar a Deus, de responder a seu filho Jesus Cristo: Cumprindo leis de
forma mecânica? Obedecendo uma carroçada de normas e princípios morais?
Celebrando ritos que passam à margem das estradas da vida? Fixando a atenção
numa hipotética vida após a morte e desprezando os desafios da história?
Jesus se oferece como alimento que desce
continuamente do céu e assume a carnalidade das dores e dos sonhos humanos. Ele
não diz que é o pão que desceu do céu
(no passado), mas o pão que desce
permanentemente do céu (tempo presente). “Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo
6,33). Tanto o verbo “descer” como o verbo “dar” estão no tempo presente e
referidos à missão libertadora de Jesus. No horizonte do evangelho segundo
João, “descer” é uma metáfora que aponta para a diminuição social, um aspecto
central na vida de Jesus e de quem o segue.
O alimento que faz a diferença e que supera
tanto o maná como a simples distribuição assistencialista de comida é a
encarnação do Filho de Deus, sua humanidade compassiva. O que ele discute no
evangelho de hoje não é sua origem divina ou humana, mas a nossa resistência em
aceitar sua encarnação redentora. Assim, a fé em Jesus e a adesão ao dinamismo
eucarístico não são uma espécie de subida a Deus, mas uma descida solidária ao
encontro do humano. A comunhão com as dores e alegrias, tristezas e angústias
dos homens e mulheres do nosso tempo é o único caminho que pode nos levar a
Deus.
Jesus recorre aos profetas para enfatizar que
é isso que precisamos aprender, que esta é a lição fundamental de Deus. Dizendo
que todos serão discípulos de Deus, Jesus evita os estreitamentos ideológicos,
étnicos ou eclesiásticos, e afirma a universalidade do caminho da vida. Quem
cuida da vida dos outros está no caminho da vida eterna, e quem não aceita e
não se engaja nessa missão não é discípulo de Deus, fecha-se à sua voz. Mais
uma vez, a questão não é simplesmente crer ou não na presença real de Cristo no
pão, mas escutar a Palavra que ele nos diz mediante sua contínua descida.
Jesus também não quer simplesmente opor a
força de vida da sua descida, da humana compaixão, à insuficiência do maná. Ele
lembra que o povo hebreu comeu do maná mas experimentou o malogro na realização
do sonho de uma terra livre e sem males. E isso não ocorreu por causa da
qualidade do maná, mas da atitude do povo, da sua incapacidade de ouvir e
obedecer a Deus. Aqui está a novidade de Jesus Cristo: somente quem ouve sua
Palavra e crê nele, quem se faz seu discípulo e se alimenta da sua humanidade,
chega à meta da travessia e alcança a terra desejada e prometida.
Portanto, não podemos reduzir o discurso de
Jesus sobre o pão vivo e verdadeiro à questão da sua presença real nas espécies
do pão e do vinho, pois isso significaria empobrecer gravemente seu Evangelho.
O que está em jogo não é o sacramento da eucaristia mas a irrecusável
humanidade de Deus. Jesus nos convida a entrar na escola do discipulado e
oferece sua Palavra como alimento para o longo caminho que nos espera. Paulo
diz que chegaremos à meta deste caminho quando formos bons e compassivos uns
com os outros, quando conseguirmos viver o amor e o dom recíprocos, a exemplo de
Jesus, “que nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós”.
Jesus amado, te agradecemos porque nos revelas que Deus é um pai com
coração de mãe e te ofereces a nós como pão que desce e alimenta nossos sonhos
e nos sustenta na luta para realizá-los. Aprendemos contigo e com pessoas
grandes e generosas que é sendo bondosos, solidários e compassivos uns com os
outros que seremos filhos e imitadores de Deus pai. Alimenta com teu humano
corpo e tua Palavra todos os pais, e também nossos anelos de bem viver. Ajuda-nos
a fazer de nossas famílias escolas de comunhão, compaixão e participação,
espaços de renascimento e crescimento como homens e mulheres novos. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
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