Trabalhemos pelo pão que nos possibilita uma vida eterna!
A cultura popular nos lembra que o mês de
agosto não costuma ser portador de bons presságios. No Sul do Brasil, as
mudanças bruscas de temperatura abalam a saúde de muita gente, especialmente
das pessoas idosas. Mas as comunidades católicas teimam em desdizer algumas
crenças populares e consagram o mês de agosto às vocações eclesiais, dedicando
uma semana às vocações ao ministério ordenado, uma semana aos pais e às
famílias, uma semana à vida religiosa consagrada e uma semana às vocações à
vida leiga, especialmente às catequistas. Celebremos, pois, a vocação e a
missão do ministro ordenado à luz da Palavra que a Igreja sugere para o
primeiro domingo de agosto.
Com a ajuda de Felipe, dos demais discípulos e
de um adolescente anônimo, Jesus havia saciado a fome da multidão a partir de
alguns pães e peixes. Depois de pedir que as sobras não fossem desperdiçadas,
ele se retirara sorrateiramente, pois o povo entusiasmado queria entroná-lo
como rei. Ainda chocados com o que Jesus havia feito, os próprios discípulos se
surpreendem quando percebem que Jesus não está mais com eles. Desconcertados
com o sinal realizado pelo mestre e com sua recusa do poder, tiveram que
empreender sozinhos a travessia do lago, enfrentando o vento, a noite e a
agitação das águas.
Confusos, os discípulos abandonam o povo
carente e sofrido. Mas, dando-se conta de que Jesus e os discípulos haviam
partido, o povo consegue vaga noutros barcos e vai procurar Jesus do outro lado
do lago. O povo procura Jesus como uma última tábua de salvação, esperando que
ele garanta seu humano direito à alimentação. Entretanto, a atitude de Jesus
diante da multidão parece rude e desconcertante. “Vocês estão me procurando,
não porque viram os sinais, mas
porque comeram os pães e ficaram satisfeitos.” Sua discordância com as
motivações que moviam o povo é mais do que clara.
Será que a compaixão de Jesus diante de um povo
cansado e abatido se havia esgotado? Será que vem daqui a frieza com que
recebemos o povo pobre que, alentado por sua fé tradicional, vem às nossas
capelas, paróquias e santuários pedindo sacramentos e bênçãos? Não é isso! O
que Jesus faz é chamar a atenção para algo mais fundamental que a simples ação
de matar a fome de um dia: o empenho de todos numa prática social e econômica
alternativa, a única capaz de garantir para todos um pão que não se corrompe.
Jesus aponta para o projeto do Reino de Deus, centrado na partilha e não na
esmola.
Jesus não se limita a reprovar o povo que
conta resignadamente com sua ajuda material e não consegue entender que ela
apenas sinaliza algo mais importante e fundamental. E exorta: “Não trabalhem
pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida
eterna... É este o alimento que Filho do Homem dará a vocês, porque é ele que
Deus marcou com seu selo.” Jesus não veio distribuir o duro e amargo pão das
sopas populares, mas aquele fermentado e assado pela Justiça, obra coletiva do
povo organizado e seus apoiadores. E confia esta obra de Deus aos seus
discípulos e discípulas...
Fazer a obra de Deus, ou agir como Deus age significa
acreditar naquele que enviou Jesus, dar crédito àquele que achou bem não enviar
alguém sabido e poderoso, mas uma pessoa vulnerável, incapaz de oferecer
pacotes de soluções, mas que coloca sinais e dá o melhor de si pelos outros. O
pão que não se estraga e dura para sempre é o dom de si mesmo, o dom da própria
vida. E é essa é a obra que glorifica a Deus. Não podemos esquecer que doutrina
religiosa dá segurança mas também escraviza, e que o alimento distribuído sem
custos também embota a inteligência, acomoda e humilha.
Aqueles que perguntam a Jesus “qual é a tua
obra?” tem dificuldades reais de reconhecer na ação solidária e compassiva de
um simples filho de homem a potente e transformadora ação de Deus. Na verdade,
Jesus não está preocupado apenas distribuir pão para matar a fome. O sinal que
ele oferece é a cooperação e a articulação dos dons e possibilidades que estão
escondidas no próprio povo, inclusive nas pessoas aparentemente mais fracas e
mais humildes. É aqui que reside o fermento que resulta num pão que não se
estraga. E é a esse serviço que os ministros sagrados são primordialmente
ordenados.
Jesus, mestre que fazes dos caminhos uma escola de vida, ajuda-nos a
compreender os sinais que realizas, a começar pela Eucaristia. Não deixes que a
transformemos em ritualismo mágico e intimista. Ajuda os ministros ordenados,
generosos e limitados como todos nós, a continuar tua obra, tornando visíveis
teus sinais de compaixão e de solidariedade. Que eles sejam homens novos,
transformados e regenerados na justiça que vem da verdade. E ajuda-nos a vencer
a paixão enganadora, aquela que canoniza os poderes e poderosos e menospreza a
mística do fermento e da semente, própria dos pobres. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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