Sua fé na ressurreição é maior que o medo de perder a vida?
Para os evangelhos, os saduceus são a
caricatura mais acabada do cinismo que pode ameaçar a religião. Eles
representam a casta sacerdotal privilegiada e a nobreza leiga rica, e são os
porta-vozes das grandes famílias abastadas, que se aproveitam dos donativos dos
peregrinos e dos sacrifícios oferecidos no templo. Eles também criam e vendem
os animais puros que os romeiros oferecem em sacrifício no templo de Jerusalém.
E são também eles que administram o tesouro do templo, uma espécie de tesouro
nacional.
Instalados no alto da pirâmide social e
religiosa, os saduceus rejeitam e ridicularizam a fé na ressurreição, e
desafiam Jesus. Jesus enfrentou a ideologia religiosa dos fariseus, negando-se
a se submeter ao templo (cf. Lc 20,1-8), comparando-os a vinhateiros homicidas
(cf. 20,9-19), dando a volta por cima do nacionalismo fanático que incitava a
não pagar impostos (cf. 20,20-26). E então chega a vez dos saduceus, que
aparecem para criticar a fé dos fariseus e ridicularizar o ensino de Jesus,
especialmente a ressurreição dos mortos.
A fé na ressurreição nasce historicamente
numa situação de opressão, e suscita a fidelidade ao projeto de Deus e a
resistência diante de toda espécie de opressão e sedução. É isso que percebemos
no tempo dos Macabeus, através do edificante testemunho de uma mãe corajosa,
que sustenta a fé dos sete filhos. Torturados com chicotes e flagelos, eles
respondem: “Estamos prontos a morrer, antes que transgredir a lei dos nossos
antepassados. O rei do universo nos fará ressurgir para a vida eterna.”
Desde o tempo destes heróis do judaísmo, crer
na ressurreição não tem nada a ver com a atitude de quem não se importa com as
contradições e violências da história e se refugia no valor pretensamente
superior de uma outra vida. A fé na ressurreição dos mortos é luz que ilumina a
mente e nos ajuda a visualizar um mundo radicalmente distinto e
qualitativamente novo. É também força que sustenta a luta para construi-lo, e a
coragem para resistir às seduções que os privilégios e comodidades do presente
exercem sobre nós.
Jesus responde à teologia cínica dos
saduceus discutindo a forma como se dá a ressurreição e apresentando o seu
fundamento. Começa afirmando que a vida ressuscitada não é uma simples cópia da
vida presente, mas uma nova qualidade relacional, uma nova ordem existencial,
uma vida de plena comunhão com Deus e livre da necessidade de sucesso e de
perpetuação da espécie. É isso que Jesus quer dizer quando fala que “os que
forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição “não se
casam” e “já não poderão morrer”, porque “serão iguais aos anjos” e “filhos de
Deus”.
Depois, Jesus fundamenta a ressurreição no
próprio fiel de Deus, e não simplesmente numa questão antropológica ou social,
ou num preceito moral. Ele recorre ao evento fundador do judaísmo, ou seja, à
revelação do nome e da compaixão de Deus a Moisés e ao seu povo. Para Deus e em
Deus, todos vivem e todos, sem nenhuma espécie de exclusão, têm o direito de
viver. Estão irremediavelmente mortos somente aqueles que, encastelados em seus
privilégios, fecham os ouvidos ao clamor dos oprimidos e sufocam os gérmens de
um futuro distinto das ambiguidades do presente.
Por isso, a fé na ressurreição não é
apenas uma questão antropológica, da necessidade humana de assegurar a vida. É
uma questão teológica: se enraíza em Deus, cresce na luta, se fortalece na resistência
e se alimenta da esperança. É nessa perspectiva que adquirem sentido as
palavras do apóstolo Paulo: “O próprio nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso
Pai, que, na sua graça, nos amou e nos deu uma consolação eterna e uma feliz
esperança, confortem vossos corações e vos confirmem em tudo o que fazeis e
dizeis de bom.”
Acreditando na ressurreição e tirando
todas as consequências desta fé, façamos o possível, como diz Paulo, “para que
a Palavra do Senhor se espalhe rapidamente e seja glorificada”. E esta palavra
viva e vivificante é uma Boa Notícia: os coxos andam, os cegos veem, os surdos
ouvem, os pecadores são justificados, os pobres recebem boas notícias e os
mortos ressuscitam; em outras palavras: a história não é monolítica e fechada,
as sementes germinam, o mundo tem jeito, a morte e o medo não têm a última
palavra.
Jesus, tu não te
envergonhas de ser nosso irmão, e não te calas diante do cinismo dos
satisfeitos. Ensina-nos a crer na ressurreição e a tirar disso todas as
consequências. Livra-nos das correntes do desânimo frente ao fracasso, e rompe
as cadeias da acomodação e do amor-próprio. Mantém nossos passos na marca dos
teus, e livra-nos de fazer da fé na ressurreição uma desculpa para fugir do
mundo. Protege-nos à sombra das tuas asas e sacia-nos todo dia com a tua
presença. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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