segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Noite do Natal

Jesus Cristo é a Paz de Deus para todas as criaturas.
(Is 9,1-6; Sl 95/96; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14)
Percorremos o processo de quatro semanas vigiando, preparando, desgustando e escutando. O dia chegou e estamos com o coração leve e puro. Com os olhos limpos e os ouvidos abertos, estamos prontos/as a reconhecer e acolher a Presença de Deus que se manifesta do seu próprio jeito: na carne humana, nas estrebarias e periferias... No silêncio de um inocente que nos olha nos olhos e desperta em nós o que há de mais nobre: a capacidade de se enternecer e de cuidar; a generosidade de fazer-se dom e presente; o dinamismo que rompe com a tendência de fechar-se em si mesmo/a e na fugacidade do presente. Uma alegria inefável brota do encontro com a fineza de um Deus que se revela definitivamente amigo e benfeitor – filântropo diz Paulo – de todas as criaturas.
“Ele se entregou por nós...”
Um certo clima natalício envolve a todas as pessoas. E isso não vem apenas da publicidade que tenta vender tudo e todos. De repente redescobrimos o prazer da gratuidade, a alegria da simplicidade, o gosto da amizade. Trocamos cartões um pouco antiquados e mensagens high-tech. Gastamos um pouco daquilo que não está sobrando para comprar presentes bonitos e simples. E expressamos despudoradamente nosso agradecimento pelos pequenos dons e calorosos abraços que recebemos.
É o espirito do natal que toma conta de nós. Parentes que passam o ano distantes, envolvidos e ocupados com coisas muito e menos importantes acham um jeito de se encontrar. As refeições costumeiramente feitas às pressas, pressionadas que são pela ditadura dos deveres com horas marcadas, ocupam um tempo nobre nessa noite. E somos capazes de repartir generosamente algum alimento com os mais pobres, sem esperar pela sobra ou pelo toque da campainha.
As mensagens querem lembrar aquela notícia primeira que ecoou na fria noite dos campos de Belém: “Eu anuncio para vocês uma boa notícia que será uma grande alegria para todos...” Os presentes ajudam a não esquecer o presente maior de um Deus “que se entregou a si mesmo por nós”, que é Dom e Presença no meio de nós. E os encontros e visitas exprimem a visita definitiva de Deus que vem ao nosso encontro, irmão entre irmãos, hóspede querido e membro pleno da família humana.
“E isso vos servirá de sinal...”
O nascimento de Jesus ocorre no mundo dos pobres, à margem dos poderes romanos e judaicos, na periferia daquele mundo que pregava uma paz sustentada pelo medo. Os decretos oficiais põem José e Maria outra vez na estrada: garantem a cobrança dos impostos mas não a tiram a Família de Nazaré de sua pobreza. Aquela humilde família percorre um caminho em direção às raizes das esperanças populares e messiânicas: a família e origem do pastor Davi.
Enquanto o poder de César Augusto empurra a Sagrada Familia para a margem e o desconforto, os proscritos pastores dos arredores de Belém fazem desta familia o centro para onde converge sua atenção e no qual repousa a esperança que os encoraja e alegra. Naquela estrebaria ignota há mais luz que no brilho de Jerusalém e na sabedoria da Lei. Os mensageiros de Deus não estão presos ao Templo, mas juntos àqueles que, estando longe de tudo, vigiam os rebanhos, inclusive à noite.
A boa noticia, motivo da alegria à qual são convidados os pobres de todos os tempos, anuncia que nasceu Salvador na “periferia do mundo”. Os anjos fazem referência ao sinal de que isso aconteceu: um bebê deitado numa cocheira para animais, envolto em pobres panos. O sinal da “grande alegria para todo o povo” não são os anjos, nem a luz que os envolve, nem a música melodiosa que ressoa no céu; é a fragilidade de uma criança, acolhida por um casal migrante, trazida ao mundo por uma familia pobre e fiel que se colocou à escuta e à disposição de Deus e sua vontade.
“O chicote dos capatazes tu quebrastes...”
Para aqueles/as que crêem, o nascimento de Jesus é mais que um acontecimento do passado. Não se resume também a uma revelação que aponta para uma dimensao “sobrenatural” da vida ou a  para um evento que tem sentido apenas para o coração.  Com a ajuda do profeta Isaías descobrimos que a encarnação do Filho de Deus refulge como luz para quem caminha na escuridão, como a alegria da colheita para os camponeses, como a vitória dos fracos sobre o medo e a violência. O Natal é a passagem da opressão à liberdade, do medo à confiança, da dependência à emancipação.
A imagem da fogueira é muito sugestiva. Isaías imagina o povo reunido ao redor de uma grande foguera, celebrando a quebra da vara com que os senhores batiam nos escravos. Nessa mesma fogueira são queimados os unifomes e botas dos soldados, manchados de sangue e violência. É uma festa para saudar a Paz duradoura que chega com o fim da opressão. “Porque nasceu para nós um menino... Ele se chama conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz...”
“E na terra, paz aos que são do seu agrado...”
O romantismo e a beleza da música nos envolve e nos inspira: “Pobrezinho nasceu em Belém. Eis na lapa Jesus, nosso bem. Dá-nos paz, ó Jesus!” O natal é a festa da paz. Paz entre as nações. Paz entre as Igrejas. Paz nas comunidades. Paz entre nas famílias. Paz na relação entre os seres humanos e as demais criaturas. Paz entre o céu e a terra. Paz onde há guerra e paz onde falta confiança, no norte e no sul, no oriente e no ocidente.
Paulo VI já ensinava que novo nome da paz é desenvolvimento, e Bento XVI também nos lembra que o caminho para a paz é a superação da pobreza através da solidariedade e da justiça. Muitos  recursos materiais e humanos hoje “são desviados dos projetos de desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais pobres e necessitados de ajuda, e empregados para as despesas militares e para os armamentos”, diz o Papa. A guerra fria deu lugar ao confronto entre o ocidente e o oriente médio.
Mas os povos originários da América Latina nos ensinam com sabedoria que a paz não se reduz ao equilíbrio de forças políticas ou a um sentimento interior. A paz se situa no coração da utopia ancestral de bem viver (sumak kawsay), que se realiza na convivência harmoniosa e equilibrada da pessoa com sua dimensão de interioridade e exterioridadem das pessoas entre si, das pessoas com a natureza como um todo. O bem ou o mal de uma espécie ou parte é sempre o bem ou o mal do conjunto todo.
 “E para a paz não há limites...”
Dos centros de poder –  da Jerusalém daquele ou de qualquer outro tempo –  mais cedo ou mais tarde se expandem crises perseguçiões. O caminho da paz passa por Belém, pela estrebaria, pela manjedoura. É para lá que apontam os anjos e é nessa direção que seguem os pastores e os magos. O caminho da paz passa pela solidariedade com os pobres, pela recuperação das virtudes humanas mais fundamentais como a hospitalidade, a solidariedade, a ternura, o cuidado com os mais frágeis.
A paz que não tem fim passa também pela comunidade eclesial. Nela nos encontramos com pessoas diferentes, descobrimos que somos membros diversos num único corpo e escutamos a Palavra sempre vive e criadora de Deus. Uma Palavra que nos confirma como filhos e filhas que não perdem essa dignidade por motivo nenhum. Uma Palavra que nos ajuda a compreender sempre de novo que a divindade se esconde na humanidade e com ela se identifica.
O caminho da paz efetiva passa hoje também por um consumo moderado, tanto de comida e bebida como de recursos não renováveis. Quantas famílias despertaram na manhã de dia de natal com a dolorida notícia da morte de um amigo ou parente, provocada pela irresponsabilidade de alguém que consumiu bebida demais?... E o que dizer das monstanhas de material descartável, restos de um natal mal entendido, jogados por todo o lado?
“A graça salvadora de Deus manifestou-se a toda a humanidade.”
Deus Menino, vivo na nossa frágil carne, filântropo do gênero humano: viemos te procurar e te encontramos repousando sob o olhar humano e cuidadoso de um casal humilde e surpreso. Parece-nos que te faltam tantas coisas, mas  nos ensinas a bem viver. Por isso, o que nos resta é apenas trocar presentes: tu nos dás a felicidade, a dignidade e a solidariedade que há muito perdemos nos corredores dos shopings, e nós te oferecemos a palha da nossa pequenez, a luz do nosso olhar e o calor que ainda resta nas nossas entranhas e no meio das pessoas que amamos. Acolhe, Jesus, nossos dons. Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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