quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A Sagrada Família de Nazaré segundo os Evangelhos (7)

Lucas 2,25-40: Estavam maravilhados com o que eles diziam..

Esta unidade maior do segundo capítulo do evangelho de Lucas reúne uma sucessão de episódios interligados: o encontro com Simeão no templo e sua profecia sobre o menino (2,25­35); o encontro também no templo com a profetiza Ana (2,36­38); o retorno a Nazaré e o crescimento normal e anônimo de Jesus (2,39­40). Aqui Lucas sublinha a fidelidade da Sagrada Família a toda lei cultual de Deus então em vigor e a apresenta como modelo de piedade e de fidelidade cristã ao novo culto evangélico.
A cena continua no palco do templo e parece que o tempo é também o mesmo, mas o foco se volta para um homem que representa a humanidade piedosa e justa. O novo personagem é Simeão, homem piedoso e devoto que cultivava a esperança da vinda do Messias e do seu reinado. Ele deixava­se conduzir pelo Espírito e também sabia que o Messias não seria uma unanimidade. Não era sacerdote e nem vivia no templo. Era também um homem justo, como José e, como os pastores, capaz de reconhecer o Messias­Servo na fragilidade do menino que acolheu nos braços. Acreditou que nele todos os povos seriam acolhidos e salvos por Deus. Simeão ressalta que o menino Jesus é luz para todas as nações e povos. Jesus é o Servo de Deus cantado pelos profetas, esse é conteúdo do anúncio de Simeão.
Lucas registra que "o pai e a mãe (de Jesus) estavam maravilhados com o que se dizia do menino" (v. 33). Esta reação é própria de quem acolhe com gratidão a ação libertadora de Deus na história mediante os pobres e humildes. E o esse estupor tem dois motivos: o primeiro é o fato de Simeão reconhecer Jesus como Messias sem ter recebido nenhuma informação a respeito; o segundo são as palavras de Simeão anunciando a missão universal do Messias. E José vem citado em primeiro lugar! José e Maria aprendiam sempre novas coisas sobre a identidade e a missão do próprio filho.
Simeão invocou sobre José e Maria a bênção de Deus e lhes falou das contradições que o filho provocaria, da sua missão de revelar aquilo que está escondido no silêncio malicioso dos homens. E falou sobre o destino do filho e, indiretamente, acenou para os sofrimentos da mãe. Também aqui temos os ecos da fé pós­pascal, quando os discípulos já haviam assimilado a crise da cruz. Maria é tratada pessoalmente, mas também como representante da Igreja, e isso significa que aqueles que partilham a vida de Jesus devem partilhar também da sua contradição, da sua rejeição e do seu fracasso. Andar com ele, estar com ele significa sofrer com ele. Seguir Jesus é participar do destino do povo. Assim, Simeão anuncia que o Salvador de Israel será um sofredor e suscitará sofrimento.
Uma segunda pessoa que dá testemunho de Jesus no templo é a profetiza Ana. Além de ser piedosa, Ana era conhecida como intérprete dos desígnios de Deus e uma tradição antiga afirma que ela teria criado Maria. Ana aproximou­se de Jesus e seus pais, como os pastores haviam feito, e como Simeão, também ela acolheu e entendeu o sinal e anunciou aos quatro ventos a salvação que nele se manifesta. Além de louvar a Deus pelo que lhe fora dado presenciar, ela anunciou o Messias presente no menino a todos aqueles que alimentavam expectativas messiânicas.
Os dois últimos versículos da perícope são uma espécie de contra­ponto ao entusiasmo que a família de Nazaré despertou no pequeno círculo das pessoas que esperavam ansiosamente o Messias e procuravam discernir sua presença nos pequenos sinais da história. A volta a Nazaré é uma ‘descida’ da exaltação para o anonimato. Lucas informa que José, Maria e Jesus voltaram para Nazaré, ‘sua cidade’ e que lá "o menino crescia e ficava forte, cheio de sabedoria". Essa sabedoria é uma visão profunda do plano de Deus, e Jesus a adquire não se distanciando da vida cotidiana do seu povo mas inserindo-se radicalmente nela.
Não é proibido se entusiasmar com a alusão à sabedoria e à graça de Deus, mas não podemos esquecer que o crescimento costuma ser um processo discreto, difícil, contraditório e complexo. Não é raro acontecer que sequer consigamos perceber o crescimento das pessoas, tal sua lentidão. Jesus participa do processo de crescimento comum a todo ser humano, e isso não é pouco. É Deus subordinando-se ao ritmo humano e histórico da maturação. Como todos os seres humanos, também o Filho de Deus aprendeu por meio dos sofrimentos (cf. Hb 2,10).
Assim, nesta evolução de acontecimentos e revelações, encontramos uma família que escuta com atenção e abertura o que pessoas idosas e sábias percebem sobre ela. Uma família que possibilita encontros com o grupo dos judeus que herdam e guardam a esperança de tempos novos. Uma família que participa do destino de dor e esperança do seu povo e dos seus membros. Uma família que se maravilha com a obra que Deus realiza mediante os pequenos e humildes. Uma família que partilha seus dons com toda a humanidade, sem limites de religião ou cultura. Uma família que não foge do anonimato e da morosidade de todo processo de maturação, sem apressá­lo.

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