sábado, 24 de dezembro de 2011

A Sagrada Família de Nazaré segundo os Evangelhos (4)

Mateus 1,18-25: José levou Maria para casa...

Dentro do objetivo geral da narrativa de Mateus, a presente unidade pretende explicitar de que modo Jesus é Filho de Deus. O gênero literário usado é a anunciação, e a intenção secundária é mostrar que a justiça de José ultrapassa a justiça legal. A figura do anjo corresponde a uma expressão usada pelo judaísmo (malak), para designar o próprio Javé enquanto revestido de uma forma sensível e acessível à humanidade.
José é apresentado como um homem justo que crê na mensagem de Deus, cumpre sua vontade e acolhe Jesus como filho e sua mãe como esposa. Diz-se que ele é esposo de Maria, mas não se diz que ele é pai de Jesus. Sua justiça é compaixão e está na passagem da lei para a nova aliança. Ele faz um ato de fé no modo como Jesus foi concebido e no significado de sua missão, aceita a paternidade legal e dá a Jesus um nome que explicita o conteúdo da salvação por ele trazida (o perdão dos pecados). A missão de Jesus será libertar o povo do sistema da Lei, concretizado e endurecido na posição dos fariseus e saduceus.
O texto em questão dá algumas informações sobre a Sagrada Família. Maria era prometida em casamento a José e esse é apresentado como esposo de Maria (v. 19). Como sabemos, o noivado praticamente equivalia ao casamento, e José e Maria podem até ter vivido juntos sem coabitarem. No texto, é dito que Maria encontrou-se grávida "antes de viverem juntos" (v. 18) e essa situação dava a José o direito legal de repudiá­la publicamente e levá­la ao apedrejamento. José pensou apenas em "deixá-­la sem ninguém saber" (v. 19) e pode ter passado vários dias pensando numa forma de resolver a questão.
A solução lhe veio no meio da noite, através do sonho. Durante o sono a pessoa é passiva, não reage nem recusa: acolhe e aceita. Deus fala a José de noite, na consciência atravessada pela dúvida mas atenta na procura de um caminho concreto para o problema da gravidez inesperada de Maria. "Não tenha medo de receber Maria como esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo" (v. 20). A aceitação da interpelação por parte de José é um ato de fé, inclusive porque o nascimento virginal era desconhecido na tradição judaica. A fé de José nos caminhos surpreendentes de Deus é imediata e vigorosa, demonstrando uma paternidade vivida como acolhida, respeito e cuidado em vista de um crescimento integral.
Na perícope que estamos estudando, Maria é apresentada como esposa de José, configurando uma relação familiar específica. Na revelação divina, mediante o sonho, é dito a José que Maria dará à luz um filho, e não ao teu filho. José dá o nome ao filho de Maria e assim assume sua paternidade legal e o insere na linhagem davídica. Com a imposição do nome, José reconhece este menino como filho, confere­-lhe a posição jurídica de filho dentro da casa de Davi.
O texto recorre também à profecia do Antigo Testamento para iluminar o que vai acontecer: "Uma virgem conceberá e será mãe". Destaca também que é "sem ter relações" com José que Maria concebe, do mesmo modo que "José não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho" (v. 25). Pelo texto, sabemos também que José "levou Maria para casa" (v. 24), o que significa que conversou com ela, retomou e cumpriu o contrato matrimonial, possivelmente com a festa e tudo o mais. Fica muito ressaltado o nascimento virginal de Jesus.
Finalmente, há um claro destaque para o significado do nome e da missão do filho de Maria: "Ele vai salvar o povo dos seus pecados" (v. 21). Seu nome não é Emanuel (Deus-conosco) como dizia a promessa profética, mas Deus Salvador dos pecados. Lembremos que ‘salvação’ é uma palav-ra­chave que remonta à expectativa messiânica que anima a história do povo de Israel.  O interesse da narrativa se concentra na meta derradeira do nascimento de Jesus, que é salvar o povo. A mensagem é claramente cristocêntrica e José e Maria aparecem no episódio apenas como figurantes. Ao mesmo tempo, é uma espécie de ‘comentário explicativo’ do v. 16, sobre as relações entre Maria e José e entre Deus e Jesus.
O que aparece aqui é uma família (esposo e esposa, pai e mãe, filho) que se vê na necessidade de discernir e acolher a vontade salvífica de Deus na história. O plano de Deus interfere nas relações familiares e as abre a um horizonte mais amplo que o costumeiro e o legal. A família é chamada a colaborar com abertura, decisão e firmeza no advento da justiça messiânica em favor dos pobres, superando as práticas discriminatórias e restritivas. É uma família que, mediante a adesão de fé, ajuda a tornar possível aquilo que aparentemente é impossível.
Itacir Brassiani msf

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