segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Sagrada Família de Nazaré segundo os Evangelhos (5)

Mateus 2,13-18: Levante-­se, pegue o menino e a mãe...

Esta narração também é exclusiva de Mateus. A fuga da Sagrada Família para o Egito, mencionada no texto, é plausível se considerarmos que o que se entendia por terra do Egito incluía a península do Sinai, próxima a Belém. No Egito vivia também uma próspera colônia de judeus e, assim, era um bom lugar para se esconder. Sendo perto, a viagem não era estafante e Jesus, José e Maria estariam fora do poder de Herodes e poderiam contar com o apoio dos judeus que lá habitavam.
Mateus assinala que fugindo para o Egito Jesus revive, por vontade de Deus, o caminho doloroso e venturoso do povo de Deus e de Moisés. Assim, a Sagrada Família também tem seu êxodo. Medroso e violento, Herodes mandou executar inocentes de Belém e arredores. Também aqui, Mateus projeta na infância de Jesus os acontecimentos que a sua própria comunidade estava vivendo, além da memória da perseguição e execução sofrida por Jesus.
Mateus busca sentido dos acontecimentos em mais duas citações do Antigo Testamento. A primeira é tirada do profeta Oséias (11,1). Originalmente, a expressão ‘do Egito chamei o meu filho’ estava referida à experiência histórica do êxodo e ao tratamento paternal/maternal que Javé sempre dispensou ao seu povo. Entretanto, no decorrer do tempo, a expressão ‘meu filho’ acabou adquirindo fortes conotações messiânicas.
A segunda citação é tirada do profeta Jeremias (31,15) e, além de constatar o desespero do povo no exílio, também tem claras conotações messiânicas e aponta para um tempo de consolação que haveria de vir: "Segure os soluços e enxugue as lágrimas, porque há uma esperança para a sua dor, existe esperança de um futuro" (er 31,16-­17).
Também aqui José é o personagem que permanece em primeiro plano. Ele volta à cena (após uma espécie de parênteses em Mt 2,1­-12) e toma a iniciativa, depois de discernir a vontade de Deus em meio a uma situação tensa e conflituosa.  Em silêncio e com determinação, José diz o seu ‘sim’ a Deus. Não esqueçamos que o pano de fundo da cena continua sendo o anúncio de Jesus, o Messias já reconhecido e aceito pelas comunidades cristãs e temido pelas pessoas de posição. A narração é uma espécie de retrospectiva sobre o caminho já percorrido por Jesus e sobre o seu significado.
A narração quer evidenciar que Jesus revive a história do seu povo e inaugura um novo processo de libertação. Sua vida e sua prática serão uma espécie de novo e verdadeiro êxodo. Ele abandona e rejeita o violento sistema herodiano e propõe um novo modo de vida para seu povo. Seu êxodo ao Egito é a passagem da estreita e escravizadora justiça dos escribas e fariseus para a nova justiça do Reino de Deus.
As relações familiares aparecem aqui unicamente na expressão "o menino e a mãe" (v. 13.14). Como qualquer outra família, a família de Nazaré vive seus imprevistos, inconvenientes e riscos. A presença de Deus não elimina estas tensões, mas até as provoca. A família é interpelada a discernir e acolher com docilidade e prudência a vontade de Deus. Atenta à Palavra de Deus, ela sai do sistema coercitivo e excludente do judaísmo e refaz o caminho da libertação percorrido pelos seus antepassados. O papel reservado pela família patriarcal ao pai é superado: José não governa sobre a família, mas a serve e protege fielmente.
Itacir Brassiani msf

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