quinta-feira, 8 de setembro de 2016

ANO C – VIGÉSIMO-QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 11.09.2016

É digno de fé o Evangelho da misericórdia de Deus!

A Palavra e a ação de Jesus trazem à tona uma divisão tão real quanto inaceitável: de um lado estão os chamados ‘publicanos e pecadores’, e, do outro, estão os considerados ‘justos’, aqueles que se dispensam de qualquer movimento de conversão. Na ideologia religiosa de Israel, os primeiros são da parte do mal, os ímpios ou impuros; os segundos são os piedosos e puros, ‘gente de bem’. Fiel à sua experiência de Deus, no horizonte da tradição profética, Jesus se aproxima e se coloca ao lado do grupo dos pecadores e impuros, e afirma que, na lógica do Reino de Deus, os últimos são os primeiros...
É isso que Jesus quer ilustrar com as três parábolas do evangelho de hoje. As pessoas tachadas de pecadoras são como a ovelha perdida, procurada com incomparável empenho pelo pastor, como uma pequena moeda extraviada e procurada incansavelmente pela dona de casa, como um filho amado que caiu no fundo do poço da degradação e da exclusão. O que importa não é o que levou ao extravio, mas a alegria do pastor, da dona de casa e do pai. “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida... Encontrei a moeda que tinha perdido... Meu filho estava morto e voltou a viver!”
Mas tenhamos muita atenção com a interpretação da terceira parábola! Falando de dois filhos, Jesus estabelece uma clara correspondência com os dois grupos que se dividem em relação a ele: os pecadores e excluídos, que se aproximam para escutá-lo; os fariseus, que murmuram contra ele. A parábola começa aparentemente dando razão aos fariseus e escribas. O filho mais novo pede sua parte da herança, vai embora, gasta tudo sem o menor controle e acaba empregado na criação de porcos em terra estrangeira. Aqui, a parábola ressalta mais sua situação de miséria, exploração e marginalização que sua culpa!
A situação desse filho é tão desesperadora que ele acaba se convencendo de que perdeu todos os direitos e se resigna a ser tratado como empregado na casa do próprio pai. Esta é a experiência subjetiva dos doentes, estrangeiros, pecadores, mulheres e tantos outros no tempo de Jesus. Mas Jesus sublinha que, aos olhos de Deus, não há gente de primeira classe e gente desclassificada, filhos cheios de direitos e filhos deserdados. Para Deus a humanidade é indivisível! Avistando de longe o filho miserável, e antes de qualquer palavra de arrependimento, o pai vai ao encontro dele absolutamente comovido.
Eis a boa notícia! Deus se recusa a aceitar uma humanidade dividida entre uns poucos que se presumem irrepreensíveis, merecedores de todos os bens, e uma multidão que deve repetir o refrão das culpas que lhe atribuem e mendigar até a simples sobrevivência. Deus rompe com as regras de uma justiça estreita e escancara as portas da sua casa aos necessitados e pecadores. As ações aparentemente exageradas do pai sublinham exatamente isso. Deus não se contenta e possibilitar apenas que o filho sobreviva! O pai não lhe dá uma roupa qualquer, mas a melhor túnica; não mata um simples novilho, mas o mais gordo...
E uma ação de resgate da cidadania e inclusão social como essa precisa ser solenemente festejada, sem dar atenção aos que murmuram e se recusam a participar. Na postura e nas palavras do filho mais velho ressoam os protestos e a presunção dos fariseus e escribas de todos os tempos e latitudes. Para eles, os pobres sofrem por própria culpa, e os ricos vivem bem porque merecem. Como não perceber aqui o eco do desconforto e da raiva das elites brasileiras que, a golpe de mídia e de falsas legalidades, querem impedir o bem-estar mínimo que os pobres conseguiram recentemente em terras brasileiras?
Jesus Cristo é a Palavra de Deus feita carne, o ‘sim’ irrevocável de Deus à humanidade. Nele todas as promessas de Deus se unificam e recebem concretude. Nele o Verbo deixa de ser conceito e se torna ação. Nele Deus liberta falando e fala libertando. Sua ação libertadora se condensa no resgate da cidadania dos excluídos, e a Palavra vivificante se resume no anúncio do início de um tempo, regido pela gratuidade e pela compaixão. É essa a experiência que vira a vida de Paulo de cabeça para baixo e que ele descreve na sua carta o amigo Timóteo.  “É digna de fé e de ser acolhida por todos esta Palavra...” 
Tem paciência conosco, Senhor, mas não permitas que nos fechemos em nós mesmos e nos interesses do nosso próprio e pequeno grupo. Tu vieste ao mundo para salvar os pecadores, e nós somos os primeiros entre eles. Tu vieste para libertar os oprimidos, e são tantos os que ainda só podem contar conosco para terem sua dignidade reconhecida. Vem ao nosso encontro, regenera-nos no teu abraço, toma-nos pela mão e faz com que entremos na tua casa e participemos da festa de acolhida daqueles que estavam perdidos e foram encontrados, estavam mortos e voltaram a viver. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 32,7-14 * Salmo 50 (51) * 1ª Carta a Timóteo  1,12-17 * Evangelho de São Lucas 15,1-32)

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