quarta-feira, 6 de junho de 2018

ANO B – DÉCIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 10.06.2018


A família e a religião devem estar a serviço do Reino de Deus!
Neste mês apreciado pela alegria e simplicidade que marca as festas populares, abramos a mente e o coração ao ensinamento de Jesus, mesmo que inicialmente nos choque e escandalize. Jesus não tem prazer em colocar pedras na estrada do nosso amadurecimento na fé... Na verdade, ele quer nos ajudar a perceber as lutas que este percurso exige e as amarras que precisamos desfazer, inclusive aquelas inconscientes ou que assumem a aparência de piedade. Ocorre que até as instituições que nasceram como espaços de dignidade e cidadania – como a família e a religião – podem se perverter.
O atual e inesperado ressurgimento das práticas de exorcismo, acompanhadas de um indisfarçável desejo de alguns líderes religiosos de amedrontar e dominar, podem nos induzir a pensar que o núcleo do evangelho deste domingo seja o combate ao diabo. Na verdade, o que temos na narração de Marcos é a explicitação e a radicalização do conflito entre a prática libertária de Jesus e o fechamento ideológico das elites religiosas, agarradas à defesa do seu poder de domínio. Precisamos distinguir entre a realidade e a linguagem: a linguagem é apocalíptica, mas a realidade é o conflito político e social.
Curando um paralítico e declarando-o sem culpa diante de Deus, calando e expulsando o espírito que fazia calar um doente, purificando um leproso e enviando-o aos sacerdotes, curando os doentes que se aproximavam, Jesus desmascara a escravidão mantida pela ideologia do templo. Os escribas contra-atacam tentando neutralizar sua ação desestabilizadora, identificando Jesus com o próprio diabo, protótipo dos inimigos do ser humano. Pretendendo ser os únicos representantes de Deus, os escribas e doutores da lei dizem que aquele que os desmascara é guiado e motivado por um espírito diabólico.
Jesus entra neste jogo de linguagem e fala do reino de satanás como a acentuação simbólica das práticas opressoras da sociedade judaica. Ele se defende atacando com as armas dos próprios adversários! Entra no jogo linguístico dos seus opositores para “puxar o tapete” e mostrar a contradição em que estão atolados. Ironicamente, Jesus diz que se agisse mesmo em nome do diabo, o reino de satanás estaria dividido e fadado à ruína, que dizendo que Jesus está fora de si, seus familiares ameaçam a família que dizem defender. Por seu lado, Jesus diz que sua ação é obra libertadora e regeneradora de Deus.
Mas o clímax da disputa está na afirmação indireta de que os verdadeiros pecadores, aqueles que estão irremediavelmente condenados, são os próprios escribas e doutores da lei, a elite religiosa que desqualifica a ação divinamente libertadora de Jesus dizendo que é diabólica. Esse grupo é réu de um pecado eterno, está coberto de impureza e envolvido numa cegueira que não permite que veja um palmo à frente do nariz. Os líderes religiosos pecam contra o Espírito Santo, iludem a si mesmo e aos outros dizendo que é mau e escravizador aquilo que na realidade é bom e libertador.
É no quadro deste conflito que podemos compreender a tensão entre Jesus e seus familiares. Sua família havia tomado conhecimento daquilo que Jesus fazia e dizia, sente-se importunada pela multidão que invade sua casa, e começa a temer pela integridade de Jesus e pelo bom nome da família. Eles têm a nítida impressão de que Jesus enlouqueceu, e decidem pôr um fim nisso tudo. Parece que a mãe e os irmãos evitam entrar no círculo dos discípulos e chegar perto de Jesus. Dão até a impressão compartilhar da visão dos escribas, e tentam fazer Jesus interromper ou desistir da sua missão.
A família patriarcal, centrada na figura masculina e nos laços de sangue, era um dos eixos da sociedade antiga, um dos anéis da corrente da dominação, uma célula de reprodução da sociedade excludente e intolerante. Jesus avança na superação do sistema de opressão que impede a vida e a liberdade do povo, mas não se detém na crítica destruidora das instituições, dos modelos de relacionamento. Ele coloca Deus no lugar da autoridade patriarcal, substitui a estreiteza dos laços de sangue pelos vínculos que brotam da condição humana compartilhada. Do ponto de vista do Evangelho, Deus e o seu Reino são absolutos, e todas as instituições e autoridades, inclusive a família, são relativas e transitórias.
A ti, Jesus de Nazaré, irmão de todos os homens e mulheres regenerados no dinamismo do teu Reino, dirigimos nosso olhar e nossa prece. Fortalece nossa vontade, a fim de que tenhamos a coragem de romper com os laços que nos amarram a nós mesmos e aos sistemas que oprimem. Amplia o círculo da nossa comunhão, para que ele inclua todos os seres humanos, começando pelas vítimas da violência que se impõe nas favelas e morros, e chegando aos povos ribeirinhos do rio Amazonas. E faz com que nossas comunidades sejam uma família alargada, ventre no qual são gerados homens e mulheres iguais. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 3,9-15 * Salmo 129 (130) * 2ª. Carta de Paulo aos Coríntios 4,13-5,1* Evangelho de  São Marcos 3,20-25)

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