João, um profeta que
veio para endireitar estradas.
A festa de São João está profundamente arraigada na cultura do povo
brasileiro. Em algumas regiões, tornou-se atração turística e é explorada como
ocasião para ganhar dinheiro ou consolidar votos. Mas esta é uma festa que só
aparentemente se distanciou do seu nascedouro bíblico e profético. Pois a alegria
simples e inocente que a caracteriza brota da certeza de que Deus não esquece a
aliança que fez conosco, visita e liberta seu povo, e envia profetas e
profetizas que preparam caminhos novos. Por isso, celebremos este dia com a
alegria que brota da liberdade que virá e com a coragem de João.
A festa de hoje não exige megaprodução. Bastam uma pequena fogueira e alguns
fogos de artifício, algumas roupas simples e baratas, uma banda improvisada e
capaz de tocar a alma popular, alimentos que custam pouco e têm sabor de
intimidade, bandeirinhas coloridas nos varais e balões levados ao sabor do
vento... Os degraus do poder são substituídos pela roda que a todos iguala nas
mãos dadas. A seriedade dos comandantes e a resignação dos que devem obedecer o
ritmo de produção ditado pela sede de lucro dão lugar a uma alegria que não há
como esconder, uma alegria que lança raízes no passado bíblico que nos pertence
e se embebeda das luzes de um mundo que está por vir.
De repente, os operários viram artistas, os camponeses se revelam
bailarinos, os coadjuvantes são protagonistas. A alegria, assim como a
irreverência, têm raízes bíblicas e força revolucionária. Não se trata da
alegria forçada pelas drogas, nem da felicidade histérica de quem se deleita nos
bens subtraídos aos homens e mulheres que os produzem, e também não é a alegria
produzida artificialmente por líderes religiosos sequiosos de domínio e de
riqueza, ou por estrelas políticas e midiáticas que seduzem incautos mas duram
pouco mais que uma noite.
Trata-se da alegria que brota da descoberta de que Deus olha para as
mãos calejadas, para os rostos sofridos, para os corpos vergados e os corações
partidos e os vê e proclama cheios de graça, plenos de charme. “Alegra-te,
cheia de graça! O Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres e
bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,28.42). Como Maria na casa de Isabel,
alegramo-nos porque Deus olha para a humilhação dos seus filhos e filhas;
porque sua misericórdia se estende de geração em geração; porque ele mostra a
força do seu braço, derrubando os poderosos dos tronos e elevando os
humildes...
Assim, a alegria inocente e despojada das festas juninas tem raízes na
história da salvação, que atravessa e supera a história da opressão e que está
ainda hoje em curso. O nascimento de João representa a delicadeza de um Deus
que levanta o manto da vergonha e da dor que, numa sociedade machista, pesa
sobre uma mulher idosa e sem filhos (cf. Lc 1,25). Quando o menino nasce, a
vizinhança toda se alegra com mais esta demonstração da misericórdia de Deus. E
a razão dessa alegria está no próprio nome dado àquele prodígio nascente: “João
é o seu nome!”, dirá Zacarias, acatando a decisão de Isabel.
João significa literalmente ‘Deus
age com misericórdia’. Dando este nome ao filho, Zacarias e Isabel rompem
com a tradição e renunciam ao hábito de fazer do filho um espelho dos desejos
do pai. João será profeta, e não sacerdote, como o pai. Nas palavras de
Zacarias, ele será ‘profeta do Altíssimo’, irá à frente do Senhor, ‘preparando
os seus caminhos, dando a conhecer ao seu povo a salvação, com o perdão dos
pecados, graças ao coração misericordioso do nosso Deus’ (cf. Lc 1,76-78). Segundo
os evangelhos, João despertará a ira de Herodes por denunciar seu casamento com
a cunhada (cf. Mc 6,17-18).
Mas João é muito mais que um pregador preocupado unicamente com a
moralidade matrimonial... Ele é um
autêntico profeta, na linha dos grandes profetas de Israel. Ele exige mudanças
radicais, tanto o âmbito pessoal como na esfera social. Eis sua voz: “Preparai
os caminhos do Senhor; endireitai as veredas para ele. Produzi frutos que
mostrem vossa conversão. Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem
tiver comida, faça o mesmo...” Trata-se de uma vocação exigente, e parece que o
próprio Zacarias inicialmente não a entende ou não a aceita a vocação profética
do filho.
Deus dos humildes, pai
e mãe dos profetas e profetizas, razão da nossa alegria: te agradecemos pelos
homens e mulheres que continuas enviando para transformar desertos em jardins e
acender teu fogo no mundo. Eles se chamam João, Adelaide, Pedro, Oscar,
Ezequiel, Sepé, Dorothy. Mas seus irmãos e irmãs menos famosos se chamam José,
Tião, Rosa, Maria, Tonico, Zeca, Antônio, Severino, Josefa..., gente que faz
parte da imensa caravana de homens e mulheres que vivem uma alegria autêntica e
simples, inocente e solidária, despojada e profética, um precioso tesouro do
povo brasileiro. Bendito sejas para sempre!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 49,1-6 * Salmo 138 (139) *
Atos dos Apóstolos 13,22-26* Evangelho de Lucas 1,57-66.80)
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