quarta-feira, 27 de junho de 2018

ANO B – DÉCIMO-TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 01.07.2018


A fé nos ilumina na busca de solução para os dramas humanos.
É triste constatar, mas vamos nos acostumando com os atos, atitudes e estruturas contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo. A cultura funciona de modo semelhante ao nosso corpo: se começamos ingerindo pequenas doses de veneno letal e formos aumentando levemente a medida, as células, tecidos e aparelhos vão se habituando e acabam não reagindo mais. Assim também acontece com a injustiça e a mentira: às custas de doses diárias, ininterruptas e crescentes deste veneno, os cristãos assimilamos esse material venenoso e mortífero como natural e não conseguimos mais esboçar reações contrárias. Até as Igrejas são tentadas a obedecer mais à diplomacia e às exigências do status que ao Evangelho.
O mundo no qual Jesus se movimenta e atua não é a metafísica abstrata ou o mundo das teorias, mas a sociedade e a vida concreta. O que está em questão no evangelho proclamado hoje não é a morte biológica, mas a morte social, que denominamos marginalização. Jesus não se interessa prioritariamente por conceitos ou leis, pois está implicado com a vida e a dignidade concretas das pessoas. Sua preocupação não é com coisas que denominamos espirituais ou interiores, mas com aquilo que melhora ou dificulta o bem viver do seu povo.
As ações e palavras de Jesus estão referidas e um contexto sociocultural bem específico. Marcos coloca à nossa frente duas categorias de pessoas. Na primeira categoria entra Jairo, que tem nome, é chefe de uma sinagoga e chefe de uma família. Entra também sua filha que, estando doente, pode contar com a assistência própria da sua classe social. Jairo trata Jesus como alguém do seu nível, fazendo-lhe a reverência devida às pessoas consideradas dignas, mesmo que existam indícios de que a sua aparente polidez no tratamento esconde a falta de fé.
Na segunda categoria está uma mulher sem nome, uma criatura anônima e perdida no meio da multidão, encurvada sob o peso de uma hemorragia que a leva às mãos de exploradores duplicam sua condição de marginalizada: mulher, impura e pobre. Ela não tem nome, nem família, nem honra. Vive sob o manto da vergonha, esta sensibilidade pessoal diante do que os outros pensam de sua honra. Ninguém intercede em seu favor, e ela sabe que não pode se aproximar de Jesus como as pessoas honradas. Mas Jesus não respeita os costumes do código de honra que rege as relações sociais de Israel!
Jesus subverte a ordem estabelecida quando se trata de socorrer as pessoas em situação de vulnerabilidade. Neste caso, Jesus deixa em segundo plano o atendimento ao pedido de Jairo, uma pessoa com status e reconhecimento social, a se entretém com uma pessoa triplamente proscrita. E não quer nem saber se com isso coloca em risco a vida da filha de Jairo. Aquela mulher anônima e sem classe aproxima-se por trás e toca-lhe o manto, marcando-o com a impureza que lhe era atribuída, e este gesto desesperado de uma pessoa habituada ao sofrimento não passa incógnito a Jesus.
Mesmo sem ter pedido nada a Jesus, a mulher, vítima de uma sociedade patriarcal, de um sistema de pureza e de um sistema médico explorador tem prioridade sobre o pedido de Jairo. Somente depois de curada, a mulher cai aos pés de Jesus, conta o drama que vivera e que chegava ao fim, expõe a vergonha que carregava por ser vista e tratada como impura. O medo e a vergonha desaparecem e dão lugar à alegria quando ela escuta da boca de Jesus: “Filha, tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença.” Jesus vê seu gesto como demonstração de uma fé autêntica e fecunda, e não como sinal de desespero.
Depois desta cena, Jesus segue em direção à casa de Jairo, indiferente à notícia de que a menina morrera, como se não tivesse perdido nada. Pede apenas que Jairo siga o exemplo daquela mulher anônima, que creia e tenha fé. É com a ajuda da mudança de mentalidade de Jairo que a menina recupera a vida.  Assim, para que possa merecer respeito, uma ordem social e cultural precisa abrir-se à fé e aderir ao dinamismo do Reino de Deus, que é uma nova ordem, um outro mundo, no qual todas as pessoas gozam do mesmo status, de igual dignidade. Somente isso liberta os marginalizados e poupa os ‘honrados’.
Jesus de Nazaré, profeta do Reino de Deus, amigo e próximo das pessoas menosprezadas e excluídas: tua delicadeza para com a mulher anônima e mestra na fé nos comove e interpela, e a cura da filha de Jairo nos convoca a renovar nossas instituições subordinando-as à lógica do reino de Deus. Como comunidade de discípulos e discípulas te pedimos: ajuda-nos a tirar a máscara de amor e de fé com que muita gente encobre a discriminação das mulheres e a indiferença e ódio às pessoas e grupos marginalizados. Que nossa missão seja fazer com que os últimos sejam os primeiros. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

(Livro da Sabedoria 1,13-15.2,23-24 * Salmo 29 (30) * 2ª. Carta aos Coríntios 8,7-15 * Evangelho de  São Marcos 5,21-43)

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