quarta-feira, 24 de maio de 2023

Semana de Oração pela Unidade Cristã (3)

O racismo que estrutura as sociedades

É muito importante compreender que o racismo está presente nos relacionamentos individuais, mas, antes disso, o racismo estrutura as sociedades, o que pode ser percebido na forma como Igrejas, majoritariamente brancas, foram historicamente beneficiadas com a garantia de culto e a liberdade religiosa, enquanto as tradições religiosas de matriz africana e as espiritualidades indígenas, ainda hoje, precisam reivindicar o seu direito de rezar em paz.

Assim como nos tempos do profeta Isaías existiam grupos privilegiados que rechaçavam os pobres e se valiam da religião para justificar as desigualdades, também hoje é possível identificar pessoas cristãs cúmplices do racismo. A história mostra que, em vez de reconhecer a dignidade de todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, cristãos e cristãs frequentemente têm se envolvido em estruturas de pecado, como a escravização, o colonialismo e a segregação em nome de uma certa superioridade racial.

Infelizmente, as igrejas ainda são muito tímidas para desconstruir teologias e hermenêuticas bíblicas racistas. A perpetuação da linguagem religiosa racista faz com que o próprio racismo se atualize. Mas a fé em Jesus Cristo exige que sejamos igrejas antirracista. Para isso, é necessário desenvolver uma “alfabetização” racial, aprofundar o conhecimento, abrir-se ao diálogo inter-religioso, apoiar a causa antirracista e reconhecer a permanência de práticas racistas em nossas igrejas.

a) Letramento ou alfabetização racial: O letramento racial ajuda conhecer quais são os termos corretos relacionados à pauta racial, contribuindo para a aquisição de uma maior consciência das desigualdades e da estrutura racista da sociedade. O letramento racial é o primeiro passo para sermos igrejas antirracistas.

b) Aprofundar o conhecimento: Isso significa incluir nas nossas leituras, livros de pessoas negras e indígenas que falem sobre a temática racial e/ou de suas culturas de origem. Também é importante pesquisar sobre como o Brasil Império se valeu da imigração europeia para implementar no Brasil a política racista do branqueamento das raças, e fomentou a ideia de que descendentes de europeus são mais trabalhadores do que pessoas indígenas e pessoas negras.

c) Abrir-se para o diálogo inter-religioso: Este é um dos caminhos possíveis para o enfrentamento do racismo religioso, que é um conjunto de práticas violentas que expressam a discriminação e o ódio pelas religiões de matriz africana e seus adeptos, assim como pelos territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras.

d) Apoiar a causa antirracista: Lembremo-nos que no Brasil a pobreza e a falta de oportunidades têm cor e raça. Portanto, ser antirracista envolve destinar recursos e promover a circulação de renda entre pessoas negras e indígenas. Para apoiar a promoção da igualdade racial, invista em ações afirmativas nos seus projetos diaconais e pastorais, destine coletas para projetos voltados ao combate do racismo. Além disso, garanta que as pessoas negras de sua igreja ocupem funções de liderança. Comprometa-se a falar sobre as consequências do racismo na vida das pessoas e a buscar hermenêuticas bíblicas antirracistas. Jesus não era racista, portanto, não é possível valer-se da fé em Jesus Cristo para justificar a segregação racial. Dizer ‘Sim’ à Igualdade Racial significa que, para sermos comunidades de iguais, todas e todos precisam assumir a pauta antirracista como compromisso de fé. Como igrejas, temos de reconhecer que estamos falhando no reconhecimento da dignidade de todas as pessoas batizadas e, muitas vezes, depreciamos a dignidade de irmãos e irmãs em Cristo baseando-nos na falsa ideia da supremacia branca. 

e) Reconhecer a existência de práticas racistas em nossas Igrejas: Martin Luther King Jr., ao falar sobre as consequências do racismo e da segregação racial em seu país, disse: “É uma das tragédias de nossa nação, uma das vergonhosas tragédias, que o horário de onze da manhã de domingo seja uma das horas mais segregadoras, ou a mais segregadora hora na América cristã”. Com essa declaração, Luther King Jr. denunciou o racismo como causa da falta de unidade entre as igrejas. Ele denunciou o fato de o racismo estar acima da fé em Jesus Cristo. Isso porque brancos não aceitavam que pessoas negras participassem dos cultos. Para poder celebrar, o povo afro-americano precisou criar suas próprias igrejas.

O racismo é, portanto, um contratestemunho da unidade cristã. Todas as divisões têm sua raiz no pecado, isto é, em atitudes e ações que vão contra a unidade que Deus deseja para o conjunto de sua Criação. O racismo é pecado porque nos divide como humanidade, como igrejas e religiões.

Infelizmente, não ocorreram mudanças significativas desde o tempo do pastor Martin Luther King até hoje. Nos Estados Unidos, o horário dominical das onze horas, quando ocorrem as celebrações, é caracterizado pela divisão racista entre igrejas, pois as denominações seguem divididas por marcadores raciais e sociais. Ou seja, pessoas brancas e pessoas negras reúnem-se cada uma em sua igreja. Como Isaías proclamou, essa hipocrisia no meio do povo de fé é uma ofensa diante de Deus: “podeis multiplicar as orações, não as escuto: vossas mãos estão cheias de sangue” (Is 1.15).

 

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