sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O Evangelho dominical (Pagola) - 29.10.2023

PAIXÃO POR DEUS E COMPAIXÃO PELO SER HUMANO

Quando se esquecem do essencial, as religiões mergulham facilmente nos caminhos da piedosa mediocridade ou da casuística moral, que não só as incapacitam para uma relação saudável com Deus, como podem prejudicar gravemente as relações entre as pessoas. Nenhuma religião escapa a este risco.

A cena que se narra nos Evangelhos tem como fundo um ambiente religioso em que sacerdotes e doutores da lei classificam centenas de mandamentos da Lei divina em mandamentos fáceis e mandamentos difíceis, graves e leves, pequenos e grandes. É quase impossível mover-se com um coração saudável nesta rede.

A pergunta que colocam a Jesus procura recuperar o essencial, descobrir o espírito perdido: qual é o mandato principal, o mandamento essencial, onde está o núcleo de tudo? A resposta de Jesus, como a de Hilel e de outros mestres judeus, recolhe a fé básica de Israel: «Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu ser». «Amarás o teu próximo como a ti mesmo».

Que ninguém pense que, ao falar do amor de Deus, se está a falar de emoções ou sentimentos para com um Ser imaginário, nem de convites a orações e devoções. «Amar a Deus com todo o coração» é reconhecer humildemente o Mistério último da vida; orientar confiadamente a existência segundo a sua vontade: amar a Deus como Pai, que é bom e nos ama com incomparável bondade.

Tudo isso marca decisivamente a vida, pois significa louvar a existência desde suas raízes; participar da vida com gratidão; optar sempre pelo bom e pelo belo; viver com um coração de carne e não de pedra; resistir a tudo o que atraiçoa a vontade de Deus negando de forma teórica ou prática a vida e a dignidade de seus filhos e filhas.

Por isso o amor a Deus é inseparável do amor aos irmãos. Assim o recorda Jesus: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Não é possível o amor real a Deus sem escutar o sofrimento dos seus filhos e filhas. Que religião seria aquela em que a fome dos desnutridos ou o excesso dos satisfeitos não suscitassem nenhuma dúvida ou inquietação aos crentes? Não estão enganados aqueles que resumem a religião de Jesus como «paixão por Deus e compaixão pela humanidade».

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

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