Da fé na ressurreição nasce o compromisso com a missão.
Continuamos
caminhando à luz de Jesus Cristo, o santo e justo preso e assassinado, depois
descoberto e experimentado vivo e ressuscitado pela comunidade dos discípulos.
As celebrações de cada domingo nos ajudam a ajuntar, pouco a pouco, os
fragmentos das diversas experiências e recompor um mosaico capaz de ilustrar como Jesus ressuscitado se manifesta e onde se deixa encontrar. Mas as
escrituras revelam também as dificuldades que enfrentamos para organizar nossa
vida a partir de um Deus crucificado e assimilar as exigências que essa fé traz
consigo.
Impressiona
a diferença entre a atitude dos díscípulos nos primeiros tempos após a
crucifixão e ressurreição de Jesus e nas cenas descritas pelos Atos dos
Apóstolos. A cena do Evangelho de hoje ocorre depois do testemunho das mulheres
e da comprovação por parte de Pedro de que a sepultura estava vazia (Lc
24,1-12); depois da manifestação de Jesus aos dois discípulos na estrada de
Emaús e na partilha do pão (Lc 24,13-35); e depois da aparição a Pedro (Lc
24,34). Apesar disso, a nova manifestação de Jesus espanta, e eles têm
dificuldade de acreditar.
A cruz é
a verdadeira pedra na qual os discípulos tropeçam. Para eles, é difícil
conjugar a idéia de um Deus que se caracteriza pelo poder e pelo saber com um
homem que grita impotente e morre abandonado na cruz. Dizer que Jesus não é o
Messias, mas um profeta fracassado, ou pensar que Jesus é mesmo o Messias, mas
a cruz foi um faz de conta é uma saída fácil, mas também frágil. Ainda hoje
muitos cristãos um Cristo vitorioso e glorioso. No máximo, aceitam que ele
passou pela cruz, mas muito rapidamente, e seu sacrifício foi compensado pela
imensa glória que depois recebeu do Pai...
A
ressurreição de Jesus não pode ser vista apenas como uma espécie de prêmio que
o Pai dá ao Filho obediente e sofredor. O que se afirma com a ressurreição de
Jesus é algo bem mais sério e profundo que a simples ressurreição dos
cadáveres. Aquele que ressuscitou não é alguém que morreu com idade avançada
num hospital de primeira classe, rodeado de familiares e amigos. O ressuscitado
é Jesus de Nazaré, aquele que resgatou a dignidade dos excluídos e foi
condenado injustamente. Ressuscitando-o Deus confirma a validade e a justeza da
causa que o levou à morte.
Diante do
espanto e da perturbação dos discípulos, Jesus mostra-lhes as chagas nas mãos e
nos pés e pede para que as toquem. Jesus quer sublinhar a continuidade do amor
que o levou a abraçar a cruz. As feridas nas mãos e nos pés do corpo
ressuscitado são o sinal eloquente de que Jesus é fiel e se tornou nosso
advogado de defesa, como diz São João. Ele não é fruto da fantasia de um grupo
de discípulos, e chega
instaurando uma paz verdadeira. Para
evitar qualquer fantasia, Jesus pede algo para comer, recebe um peixe e o come
diante dos discípulos tão alegres quanto espantados.
Ancorado
na fé em Jesus Cristo, Pedro curou e
devolveu a dignidade a um miserável paralítico. E diante do assombro da
multidão que acorria ao templo, proclama: “A fé em Jesus deu saúde perfeita a
esse homem que está na presença de todos vocês.” Os cristãos dão testemunho da
ressureição de Jesus à medida em que se deixam guiar pelo dinamismo que animou
e deu sentido à sua vida: o amor ao próximo. Esse é o mandamento e o testamento
de Jesus, e “quem diz que conhece a Deus mas não cumpre seus mandamentos é
mentiroso”, diz João.
Na sua
manifestação aos discípulos, Jesus lhes abre a inteligência para que
compreendam as escrituras. Não se trata de uma longa e completa catequese
bíblica, mas de um esclarecimento sobre a imagem de Messias: seu caminho se
desvia do poder e da impassibilidade e passa pela aceitação do sofrimento
solidário e, em seu nome, as pessoas serão convocadas à conversão e perdoadas.
Não é possível adentrar no sentido da ressurreição se não nos movemos num
horizonte de esperança, se não aceitamos a possibilidade de uma transformação
profunda de todas as coisas, já em curso.
Jesus de Nazaré, Servidor da humanidade e
Aurora da liberdade: sabemos que em ti começamos a vencer a morte nas suas
expressões mais
terríveis, mas
temos consciência que
a luta continua. Abre nossa inteligência para vivermos como ressuscitados, com olhos abertos às chagas das
pessoas que continuam sofrendo e às iniciativas solidárias que ocorrem fora das nossas Igrejas.
Faz com que nossa esperança na ressurreição corte pela raíz as tentativas de reduzir
nosso cristianismo a um exercício intelectual ou à aceitação de um conjunto de
dogmas e preceitos. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 3,13-19 * Salmo 4 * 1ª Carta de João 2,1-5 * Evangelho
de Lucas 24,35-48)
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