Para entender
bem a finalidade de Lucas em relatar os eventos ligados à concepção e
nascimento de Jesus, é essencial conhecer algo da sua visão teológica. Para
ele, o importante é acentuar o grande contraste, mesmo que haja também
continuidade, entre a Antiga e a Nova Aliança. A primeira está retratada nos
eventos que giram ao redor do nascimento de João Batista, e tem os seus
representantes em Isabel, Zacarias e João; a segunda está nos relatos ao redor
do nascimento de Jesus, com as figuras de Maria, José e Jesus.
Para Lucas, a
Antiga Aliança está esgotada, deu o que era para dar - os seus símbolos são
Isabel, estéril e idosa; Zacarias, sacerdote que duvida do anúncio do anjo; e,
o nenê que será um profeta, figura típica do Antigo Testamento. Em contraste, a
Nova Aliança tem como símbolos a jovem virgem de Nazaré que acredita e cujo
filho será o próprio Filho de Deus. Mais adiante, Lucas enfatiza este contraste
nas figuras de Ana e Simeão, no Templo, (Lc 2, 25-38), especialmente quando
Simeão reza: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar o teu servo
partir em paz. Porque meus olhos viram a tua salvação” (2, 29). Por isso, não
devemos reduzir a história de hoje a um relato que pretende mostrar a caridade
de Maria em cuidar da sua parenta idosa e grávida. Se a finalidade de Lucas
fosse essa, não teria colocado o versículo 56, que mostra ela deixando Isabel
antes do nascimento de João: “Maria ficou três meses com Isabel; e depois
voltou para casa”. É só depois que Lucas trata do nascimento de João.
Também não é
verossímil que uma moça judia de mais ou menos quatorze anos enfrentasse uma
viagem tão perigosa como a da Galileia à Judeia! A intenção de Lucas é
literária e teológica. Ele coloca juntas as duas gestantes, para que ambas
possam louvar a Deus pela sua ação nas suas vidas, e para que fique claro que o
filho de Isabel é o precursor do filho de Maria. Por isso, Lucas tira Maria de
cena antes do nascimento de João, para que cada relato tenha somente as suas
personagens principais: de um lado, Isabel, Zacarias e João; do outro lado,
Maria, José e Jesus.
O fato que a
criança “se agitou” no ventre de Isabel faz recordar algo semelhante na
história de Rebeca, quando Esaú e Jacó “pulavam” no ventre dela, na tradução da
Septuaginta de Gn 25, 22. O contexto, especialmente versículo 43, salienta que
João reconhece que Jesus é o seu Senhor. Com a iluminação do Espírito Santo,
Isabel pode interpretar a “agitação” de João - é porque Maria está carregando o
Senhor.
As palavras
referentes a Maria: “Você é bendita entre as mulheres, e bendito é o fruto do
seu ventre” (v. 42) fazem lembrar mais duas mulheres que ajudaram na libertação
do seu povo: Jael (Jz 5, 24) e Judite (Jd 13, 18). Aqui Isabel louva a Maria
que traz no seu ventre o libertador definitivo do seu povo.
Finalmente,
vale destacar o motivo pelo qual Isabel chama Maria de “bem-aventurada” (v.
45): “Bem-aventurada aquela que acreditou.” Maria é bendita em primeiro lugar,
não pela sua maternidade, mas pela fé - em contraste com Zacarias, que duvidou.
Aqui Maria é principalmente modelo de fé.
O texto de hoje
nos lembra que Maria era uma mulher lutadora, totalmente comprometida com o
projeto de Deus para um mundo fraterno. Se Ela estivesse entre nós hoje, sem
dúvida Ela - como também Jesus - estaria nos movimentos e pastorais sociais,
lutando pela vida digna de todos e celebrando com os irmãos e irmãs a fé no
Deus de Justiça, Libertação e Salvação.
Pe. Thomas Hughes, SVD
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