Sobre o puro e o impuro (Mc
7,1-23)
O evangelho
deste final de semana é comprido. Fala dos costumes religiosos da época de
Jesus, muitos dos quais já tinham perdido seu sentido e até atrapalhavam a vida
do povo, ameaçando as pessoas com castigo e inferno. Enxergavam pecado em tudo!
Por exemplo, comer sem lavar as mãos era considerado pecado. Mesmo assim, estes
costumes eram conservados e ensinados, ou por medo, ou por superstições. Vamos
conversar sobre isso!
SITUANDO
Neste círculo,
olhamos de perto a atitude de Jesus frente à questão da pureza. Anteriormente,
Marcos já tinha tocado neste assunto da pureza: em Me 1,23-28, Jesus expulsou
um espírito impuro. Em Me 1,40-45, ele curou um leproso. Em Mc 5,25-34, curou
uma mulher considerada impura. Em vários outros momentos, ele tocou em doentes
e deficientes físicos, sem medo de ficar impuro. Agora, aqui no capítulo 7,
Jesus ajuda o povo e os discípulos a aprofundar este assunto da pureza e das
leis da pureza.
Desde séculos,
os judeus, para não contrair impureza, eram proibidos de entrar em contato com
os pagãos e de comer com eles. Mas nos anos 70, época de Marcos, alguns judeus
convertidos diziam: "Agora que somos cristãos temos que abandonar estes
costumes antigos que nos separam dos pagãos convertidos!" Outros, porém,
achavam que deviam continuar a observar as leis de pureza. A atitude de Jesus,
descrita no evangelho de hoje, ajudava-os a superar o problema.
COMENTANDO
Marcos 7,1-2:
Controle dos fariseus e liberdade dos discípulos
Os fariseus e
alguns escribas, vindos de Jerusalém, observavam como os discípulos de Jesus
comiam pão com mãos impuras. Aqui há três pontos que merecem ser assinalados:
1) Os
escribas são de Jerusalém, da capital! Significa que tinham vindo para observar
e controlar os passos de Jesus.
2) Os
discípulos não lavam as mãos para comer! Significa que a convivência com Jesus
os levou a criar coragem para transgredir normas que a tradição impunha ao
povo, mas que já não tinham sentido para a vida.
3) O
costume de lavar as mãos, que, até hoje, continua sendo uma norma importante de
higiene, tinha tomado para eles um significado religioso que servia para controlar
e discriminar as pessoas.
Marcos 7,3-4:
A Tradição dos Antigos
A
"Tradição dos Antigos" transmitia as normas que deviam ser observadas
pelo povo para ele conseguir a pureza exigida pela lei. A observância da pureza
era um assunto muito sério. Eles achavam que uma pessoa impura não poderia
receber a bênção prometida por Deus a Abraão. As normas de pureza eram
ensinadas para abrir o caminho até Deus, fonte da paz. Mas, na realidade, em
vez de ser uma fonte de paz, elas eram uma prisão, um cativeiro. Para os
pobres, era praticamente impossível observá-las. Eram centenas de normas e
leis. Por isso, os pobres eram desprezados como gente ignorante e maldita que
não conhece a lei (Jo 7,49).
Marcos 7,5:
Escribas e fariseus criticam o comportamento dos discípulos de Jesus
Os escribas e
fariseus perguntam a Jesus: Por que os teus discípulos não se comportam
conforme a tradição dos antigos e comem o pão com as mãos impuras? Eles fingem
estar interessados em conhecer o porquê do comportamento dos discípulos. Na
realidade, criticam Jesus por ele permitir que os discípulos transgridam as
normas de pureza. Os fariseus formavam uma espécie de irmandade cuja principal
preocupação era observar todas as leis de pureza. Os escribas eram os
responsáveis pela doutrina. Ensinavam as leis referentes à observância da
pureza.
Marcos 7,
6-13: Jesus critica a incoerência dos fariseus
Jesus responde
citando Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim. Insistindo nas normas de pureza, os fariseus esvaziavam os
mandamentos da lei de Deus. Jesus cita um exemplo concreto. Eles diziam: o
fulano que oferecer ao Templo os seus bens não pode usar esses bens para ajudar
os pais necessitados. Assim, em nome da tradição, esvaziavam o quarto
mandamento, que manda amar pai e mãe. Até hoje, tais pessoas parecem muito
observantes, mas é só por fora. Por dentro, o coração delas fica longe de Deus!
Como diz o canto: "Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira
das calçadas. E a gente quando vê passa adiante, às vezes para chegar depressa
à Igreja!" No tempo de Jesus, o povo, na sua sabedoria, não concordava com
tudo que se ensinava. Esperava que, um dia, o messias viesse indicar outro
caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança.
Marcos
7,14-16: Jesus abre um novo caminho para o povo se aproximar de Deus
Ele diz para a
multidão: "Não há nada no exterior do ser humano que, entrando nele, possa
torná-lo impuro!" (Me 7,15). Jesus inverte as coisas: o impuro não vem de
fora para dentro, como ensinavam os doutores da lei, mas sim de dentro para
fora. Deste modo, ninguém mais precisa se perguntar se esta ou aquela comida ou
bebida é pura ou impura. Jesus coloca o puro e o impuro num outro nível, no
nível do comportamento ético. Ele abre um novo caminho para chegar até Deus e,
assim, realiza o desejo mais profundo do povo.
Marcos
7,17-23: Em casa, os discípulos pedem explicação
Os discípulos
não entenderam bem o que Jesus queria dizer com aquela afirmação. Quando
chegaram em casa, pediram uma explicação. Jesus estranhou a pergunta dos
discípulos. Pensava que eles tivessem entendido a parábola. Na explicação aos
discípulos, ele vai até ao fundo da questão da pureza. Declara puros todos os
alimentos! Ou seja, nenhum alimento que de fora entre no ser humano pode
torná-lo impuro, pois não vai até o coração, mas vai para o estômago e acaba na
fosse, e, conforme o pensamento da época, o que entrava na fossa não era
considerado impuro. Mas o que torna impuro, diz Jesus, é aquilo que de dentro
do coração sai para envenenar o relacionamento humano. E ele enumera:
prostituição, roubo, assassinato, adultério, ambição, etc.
Assim, de
muitas maneiras, pela palavra, pelo toque e pela convivência, Jesus foi
ajudando as pessoas a conseguir a pureza. Pela palavra, purificava os leprosos,
expulsava os espíritos impuros e vencia a morte, que era a fonte de toda a
impureza. Pelo toque em Jesus, a mulher excluída como impura ficou curada. Sem
medo de contaminação, Jesus comia junto com as pessoas consideradas impuras.
ALARGANDO
As leis da
pureza no tempo de Jesus
O povo daquela
época tinha uma grande preocupação com a pureza. A lei e as normas de pureza
indicavam as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus
e se sentir bem na presença dele. Não se podia comparecer diante de Deus de
qualquer jeito. Pois Deus é Santo. A Lei dizia: "Sede santos, porque eu
sou santo!" (Lv 19,2). Quem não era puro não podia chegar perto de Deus
para receber dele a bênção prometida a Abraão.
A lei do puro
e do impuro (Lv 11 a 16) foi escrita depois do cativeiro da Babilônia, cerca de
800 anos depois do Êxodo, mas tinha suas raízes na mentalidade e nos costumes
antigos do povo da Bíblia. Uma visão religiosa e mítica do mundo levava o povo
a apreciar as coisas, as pessoas e os animais a partir da categoria da pureza
(Gn 7,2; Dt 14,13-21; Nm 12,10-15; Dt 24,8-9).
No contexto da
dominação persa, nos séculos V ou IV antes de Cristo, diante da dificuldade
para reconstruir o templo de Jerusalém e para a própria sobrevivência do clero,
os sacerdotes que estavam no governo do povo da Bíblia ampliaram as leis de
pureza e a obrigação de oferecer sacrifícios de purificação pelo pecado. Assim,
depois do parto (Lv 12,1-8), da menstruação (Lv 15,19-24) ou da cura de uma
hemorragia (Lv 15,25-30), as mulheres tinham que oferecer sacrifícios para
recuperar a pureza. Pessoas leprosas (Lv 13) também deviam oferecer
sacrifícios. Uma parte destas oferendas ficava para os sacerdotes (Lv 5,13).
No tempo de
Jesus, tocar um leproso, comer com publicano, comer sem lavar as mãos, etc.,
tudo isso tornava a pessoa impura, e qualquer contato com esta pessoa
contaminava os outros. Por isso, as pessoas "impuras" deviam ser
evitadas. O povo vivia acuado, sempre ameaçado pelas tantas coisas impuras que
ameaçavam a vida. Era obrigado a viver desconfiado de tudo e de todos.
Agora, de
repente, tudo mudou! Através da fé em Jesus, era possível conseguir a pureza e
sentir-se bem diante de Deus sem que fosse necessário observar todas aquelas
leis e normas da Tradição dos Antigos. Foi uma libertação! A Boa Nova anunciada
por Jesus tirou o povo da defensiva, do medo, e lhe devolveu a vontade de
viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!
Carlos Mesters e Mercedes Lopes
http://www.cebi.org.br/noticias.php?secaoId=1¬iciaId=5909
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