Qual é a palavra que
pode sustentar nossa fome de viver?
O
Evangelho de Jesus é, desde sempre e literalmente, boa notícia. Por isso, onde
é anunciado e ouvido, produz alegria, como bem insiste o papa Francisco. Mas
também provoca crise, e não apenas hoje. Não é possível crer em Jesus e seguir
seu caminho sem romper com uma cultura centrada na competição, na experteza, na
indiferença e na dominação. Se não acontecer esta ruptura, a fé professada comn
os lábios acaba sendo negada pelas atitudes. É como diz Jesus: “As palavras que
vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem...”
O
evangelho deste domingo é parte do sexto capítulo de João. Tudo começou com a
partilha dos pães e dois peixes entregues a Jesus por um jovem e servidos à
multidão. Entusiasmada com a abundância de alimento, a multidão quis transformar
Jesus em rei, mas ele fugiu de fininho. Diante desta recusa de Jesus, os
discípulos ficaram desorientados e pensaram em fugir. Mas Jesus foi ao encontro
deles no meio do mar agitado. E, depois disso, Jesus desenvolve uma longa
catequese sobre o pão verdadeiro que alimenta de verdadeiramente e merece ser
buscado.
Esta longa
reflexão sobre o pão da vida não tem nada de inocente, espiritualista ou
inofensivo, e os discípulos o entenderam
perfeitamente. Por isso, disseram a Jesus que seu modo de falar era duro
demais e que era difícil continuar ouvindo seu ensino. A razão da crise dos discípulos
é seguir alguém que não aceita ser rei; que pede para renunciar à ambição
individual de estar à sua direita ou à sua esquerda; que propõe a entrega de si
mesmo como caminho de realização; que indica a atitude de servo como a mais
nobre e digna do ser humano...
Sedentos
de triunfo e de sucesso, muitos discípulos, frustrados e rebelados, abandonam o
discipulado. Mas Jesus provoca ainda mais os discípulos já escandalizados,
enfatizando que é próprio do ser humano descer, que quem desce ou é rebaixado é
visto por Deus como o mais nobre e perfeito. A partir disso, muitos discípulos voltam atrás, e não
andam mais com Jesus. Eles um Enviado diferente, um Messias feito à medida da
ideologia e dos interesses individuais e da própria classe. Sem receio de ficar
só, Jesus enfrenta também os que
permanecem: “Vocês também querem ir embora?”
A resposta
a esta pergunta, que também é dirigida a nós, não pode ser da boca pra fora, da
cabeça para cima; deve ser consciente, engajada e consequente. Pedro, em nome
de um bom grupo de discípulos e de forma um pouco resignada, responde com uma
pergunta: “A quem iremos, Senhor?” A resposta não vem da boca de Jesus, mas de um
discernimento que nós mesmos devemos fazer. De minha parte, como Pedro, fico
com Jesus Cristo e sua humanidade, com o Evangelho e sua liberdade, com o
serviço aos irmãos e à sua dignidade. Não me reconheceria nem conseguiria viver
fora desse horizonte...
Jesus é a
Palavra de Deus feita carne solidária, e suas palavras são portadoras de vida.
Pedro entendeu bem: “Tu tens palavras de vida eterna.” Ela sabia muito bem que, diante de Jesus,
todos se descobrem pessoas dignas e capazes, conduzidas a uma liberdade sempre mais
plena e exigente, portadoras de uma vida cada vez mais plenificada, peregrinas
de um caminho que liberta porque jamais termina. Mas continua não sendo
possível ser cristão e, ao mesmo tenpo, permanecer dentro das premissas da
cultura individualista. Não podemos cair na tentação, sempre presente e forte,
de adocicar e amenizar a mensagem de Jesus Cristo, subemetendo-a ao nosso
desejo de prosperidade e grandeza...
Crer em
Jesus significa experimentar uma liberdade radical, capaz de promover a
liberdade de quem convive conosco. Só quem foi libertado de tudo está em
condições de servir. “Sejam submissos uns aos outros no amor de Cristo”, pede
Paulo aos esposos e a todos os cristãos. Sub-missio,
missão subalterna, significa estar à disposição do outro. É isso que nos leva a
assumir o fardo do outro, a ser sub-stituto,
a suportá-lo nas penas e sofrimentos, nos sonhos e buscas. Paulo aplica isso à
relação entre marido e mulher, mas a reciprocidade no amor e no serviço se
aplica a todas as relações. Eis a novidade cristã!
Jesus amado, profeta temido por tua
intrepidez, pão que alimenta nossa fome mais profunda, Palavra que nos mantém
no belo e difícil caminho da vida! Ensina-nos a encontrar a simplicidade
profunda do teu Evangelho e a vivê-lo com inocente e desarmada alegria. Ajuda-nos
a viver a submissão e o serviço recíprocos e fazer disso uma pequena mas
persistente diferença. Ilumina e fortalece nossos catequistas: que eles
experimentem gozosamente a glória de descer ao encontro dos mais pobres, para
ser tua Boa Notícia para eles, e conduzam ao teu encontro as pessoas a eles
confiadas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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