Uma Igreja Casa-de-Deus
terá as portas sempre abertas.
Todas as religiões se apresentam aos seus adeptos
como caminhos – às vezes como os únicos caminhos! – que levam à divindade e à
felicidade. E esta oferta se ajusta como luva à insaciável sede de plenitude
que habita e move o ser humano. Os caminhos oferecidos se dividem em dois
grupos: os que propõem a saída e o esquecimento de si mesmo para encontrar a
plenitude nas realidades externas e transcendentes; os que propõem e ensinam o
mergulho em si mesmo e o esquecimento das realidades externas, inclusive dos
demais seres humanos.
Mas existe uma terceira possibilidade, que
está discretamente presente em algumas religiões e é proposta por Jesus Cristo
(mas não necessariamente pelo cristianismo que nasceu dele): Deus mesmo vem
saciar nossa sede de plenitude, eliminando a distância que nos assusta,
assumindo e aperfeiçoando as realidades humanas e as construções sociais. Jesus
Cristo é sacramento de um Deus humanizado e encarnado, servidor e libertador,
próximo e presente no ser humano que ama e sofre. “Se alguém me ama, guardará a
minha Palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada.”
O amor autenticamente humano, fraterno e
solidário, é o êxodo do ser humano em
direção a Deus e o advento de Deus na
carne humana. O que nos faz semelhantes a Deus e nos aproxima dele não é o
muito saber, o grande poder ou a ausência de sofrimento, mas o dinamismo de um
amor que nos faz loucos, apaixonados, pobres e servidores. As igrejas cristãs
são chamadas a ser assembleias de homens e mulheres que vivem esta intensa e
única paixão por Deus e pela humanidade, evitando a tentação de se identificar
com o próprio Deus, de assumir a função de administradoras delegadas de Deus, de
enrijecer o sistema de proibições e coerções e de usurpar o poder que só a Deus
pertence.
Quando Jesus fala das diversas moradas que
existem na casa do Pai e que ele vai
para preparar-nos um lugar, está se referindo à sua missão de afirmar nossa
condição de filhos e herdeiros de Deus (cf. Jo 14,2). No evangelho de hoje,
Jesus inverte o movimento e diz que é Deus quem vem às comunidades que se organizam em seu nome para fazer delas
sua casa. Para que isso se realize, as comunidades precisam cultivar o amor, o
diálogo, o serviço e a abertura às necessidades do mundo. Uma Igreja que queira
ser fiel a Jesus Cristo e aos tempos atuais, morada de Deus, deve ser uma
Igreja aberta e missionária.
A dificuldade enfrentada por Paulo e Barnabé
diante de um grupo de cristãos liderados por Tiago e Pedro teve origem numa
atitude de fechamento institucional e cultural que os levou a identificar
alguns costumes com o próprio Evangelho. Mas, graças à liberdade de Paulo e de
Barnabé, “que arriscaram a vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”, Tiago
e Pedro reconhecem e acolhem os “irmãos vindos do paganismo” e não lhes impõem
os costumes judeus. Isso nos encoraja a sonhar com uma Igreja que não tenha
medo de dialogar com os diferentes grupos e movimentos sociais e culturais.
A este propósito, é bela a visão que João nos
apresenta da cidade santa, imagem da Igreja. Ela está cercada por uma muralha
que a protege das violentas perseguições, mas tem portas e saídas por todos os
lados, e tem como alicerce o testemunho dos apóstolos. O esplendor que a
envolve não vem do saber ou do poder, mas da glória de Deus, ou seja: do amor
vivido até às últimas consequências. Seu brilho não lhe pertence, nem lhe é
dado pelos poderosos, mas vem Cordeiro humilhado e martirizado e a ele pertence.
Esta cidade dispensa templos e ritos: basta-lhe a força da divina Compaixão.
No cálido e não menos tenso ambiente da Ceia
de despedida, Jesus diz que só o amor pode manifestar claramente o que Deus é e
o que Deus faz. Sabedor dos limites que acompanhariam os discípulos e
discípulas de todos os tempos, Jesus promete que não nos deixa órfãos e
indefesos: ele envia o Espírito Santo, Consolador, Defensor e Mestre, que nos
conduz ao seguimento fiel e consequente dos seus passos. O Espírito é o amor, a
fidelidade e a glória à qual podemos aspirar. O amor praticado é mandamento de
Jesus. O amor proclamado é Evangelho. O amor visível pelo testemunho é
esplendor e glória de Deus.
Jesus de Nazaré, profeta corajoso e irmão amado! O
Espírito que prometes e que nós necessitamos nos ajude a entender e atualizar
tua ação libertadora e tua Palavra vivificadora; a reinventar tua ação em mil
ações que resgatam a dignidade e promovem a plena vida das pessoas; a anunciar
que estás presente e solidário naqueles a quem não te envergonhas de chamar
irmãos. Não deixes que a tua Igreja dê as costas ao Espírito e se erga como
muro defensivo, trono que manda e sepultura que conserva restos mortais. Renova
tua amada Igreja, abrindo portas que convidam à acolhida e à saída. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29 * Salmo 66 (67) * Apocalipse
21.10-14.22-23 * Evangelho de João 14,23-29)
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