“O Pai e eu somos um” (Jo 10,27-30)
O texto de hoje situa-se no
contexto de uma polêmica nos arredores do Templo, entre Jesus a as autoridades
judaicas, na ocasião da Festa da Dedicação do Templo. Nos versículos
anteriores, as autoridades desafiaram Jesus para que se declarasse abertamente
o Messias. Ele respondeu que já tinha mostrado isso muitas vezes, através das
suas obras, mas que eles não queriam acreditar, pois não eram as suas ovelhas.
Assim, fica claro que as
ovelhas são os discípulos, pois o verdadeiro discípulo ouve a palavra
do Senhor e o segue. São conhecidos por Ele. E aqui
cumpre lembrar que na linguagem bíblica, a palavra “conhecer” tem conotações
mais profundas do que no nosso uso comum. Significa não tanto um saber
intelectual, mas uma intimidade profunda do amor. Assim, a bíblia muitas vezes
até usa o verbo “conhecer” para significar relação sexual. Assim, Maria
questiona o anjo, pois Ela “não conhece” homem (Lc 1, 34). O verdadeiro discípulo é aquele
ou aquela que realmente tem um relacionamento de intimidade com Deus e que põe
em prática a sua palavra. E quem conhece Jesus, conhece o Pai, pois “o
Pai e eu somos um”, como diz Jesus no nosso texto.
O versículo 28 afirma que Jesus dá
a vida eterna aos seus seguidores. Esse é um tema típico de João, e outros
textos do evangelho podem nos ajudar a aprofundá-lo. No Último Discurso, Jesus
explica em quê consiste a vida eterna: “A vida eterna é esta: que
eles conhecem a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que tu enviaste,
Jesus Cristo” (Jo 17, 3). Mais uma vez, liga o conceito da vida eterna com O de
“conhecer”. Mas em que consiste “conhecer”
a Deus?
O profeta Jeremias pode nos
esclarecer. Em um trecho onde ele enfrenta o Rei Joaquim e o condena por não
pagar os salários dos seus operários na construção do seu palácio, Jeremias diz
o seguinte, referindo-se ao falecido rei justo Josias: “Ele julgava com justiça
a causa do pobre e do indigente; e tudo corria bem para ele! Isso não é
conhecer-me?, oráculo de Javé” (Jr 22, 16). Conhecer Deus não é em primeiro
lugar um exercício intelectual, mas uma atitude de vida: a prática da justiça,
especialmente em favor do oprimido e fraco.
Segundo João, então, a vida eterna
é o prêmio de quem pratica a justiça de Deus - proposta dos discípulos de Jesus
- e não dos que “sabem” muita coisa sobre Deus, mas que não praticam a justiça
- representados no texto de hoje pelas autoridades do templo.
O nosso texto nos traz motivo de
muita coragem, pois afirma que ninguém vai arrancar o verdadeiro discípulo da
mão de Jesus (v. 28). Mas, também nos desafia para que verifiquemos se somos realmente
discípulos verdadeiros, se conhecemos Jesus e o Pai, isto é, se praticamos a
justiça do seu projeto. Pois a prova de ser verdadeiro discípulo está na
prática das obras do Pai, e não no conhecimento teórico de religião.
Pe. Tomaz Hughes SVD
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