Mística trinitária: esvaziar-se para amar
Mais
de 700 religiosas e religiosos do Rio Grande do Sul participaram, no último sábado
(19.08.2017) de um evento celebrativo da passagem dos 60 anos de fundação da seccional
gaúcha Conferencia dos Religiosos do Brasil. O evento aconteceu em Porto
Alegre, no Colégio Bom Conselho, e contou com a presença e reflexão de Dom Joao
Braz de Aviz, cardeal brasileiro responsável pela vida consagrada no mundo
inteiro.
Esta
celebração se desenvolve sob o signo dos 300 anos do encontro da imagem de
Nossa Senhora Aparecida. Uma imagem pequena, encontrada, que veio ao encontro,
quebrada e restaurada, que sai da rede e se torna rede que une pessoas,
restaura dignidades, restaura cidadanias negadas, suscita dinamismos de
encontro, sai ao encontro dos filhos mais sofridos e esquecidos: um ícone expressivo
provocativo para a vida consagrada no Brasil.
Na
sua reflexão, falando das raízes e horizontes místicos da vida consagrada, Dom
Braz de Aviz lembrava que a etimologia da palavra mística é o Mistério,
inapreensível e indestrutível, a presença envolvente e fiel da divindade. Trata-se
de uma presença que não assusta, mas provoca deslumbramento e um sereno
entusiasmo. Assim é a realidade maravilhosa do encontro com Deus, nossa fonte,
que não provoca medo, mas confiança, serenidade, entrega, saída.
É desse encantamento que nasce a
profecia. E, na vida consagrada, a profecia adquire forma e eloquência no
testemunho da pobreza, da castidade e da obediência. Estes não são conceitos
nem amuletos, fugas ou reservas, mas caminhos de liberdade, que fazem que
sejamos dom. A mística que nasce do encontro vivo com Deus em Jesus Cristo e
nos pobres que o representam deveria nos tornar naturalmente proféticos.
Mas há uma ameaça que nos ronda,
permanentemente: quando queremos preservar as tradições a qualquer preço, experiências
e iniciativas que até foram significativas num outro contexto, acabamos conservando
o que é velho e perdendo a força renovadora do Evangelho e do Carisma. Por
isso, como pessoas consagradas e instituições que pretendem servir a um
carisma, precisamos nos perguntar, permanentemente: o que vivemos hoje é
intrínseco ao carisma ou é o modo de vida que escolhemos, que está ligado à
cultura e aos medos e interesses? O que precisamos conservar e o que precisamos
deixar perder-se?
Por fim, o cardeal prefeito da
secretaria destinada a acompanhar a vida consagrada no mundo todo lembrou que
questão da mística nos leva necessariamente ao mistério da Trindade divina. A Santíssima
Trindade é o coração da mística, do mistério de Deus, que é, em sua essência,
misericórdia, amor que se compadece e sai de si. O retrato dinâmico desse amor
humano-divino nos é oferecido no cântico da carta aos Filipenses 2,5-10: quem
se encontra com o mistério de Deus se encontra com sua kenosis, o dinamismo de esvaziamento que leva à igualdade, à nulidade
social, ao protesto radical contra qualquer privilegio ou hierarquia. Essa é a
grandeza diante da qual todos precisamos cair de joelhos.
Itacir Brassiani msf
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