quinta-feira, 17 de agosto de 2017

ANO A – VIGÉSIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 20.08.2017

Os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis, e para todos!
A tendência é acostumemo-nos com um mundo construído à base de barreiras e privilégios. Assistimos estupefatos e impotentes – indiferentes? – ao muro levantado por Israel para impedir o acesso e o contato com os palestinos; e, no lado ocidental do globo, o muro que os Estados Unidos da América construiu na fronteira com o México, para impedir o acesso dos migrantes latinos. Mas estes são apenas os muros mais visíveis e mais cínicos, detestáveis como todos os outros, mas não os únicos...
Todas as barreiras e muros são cimentados pelo medo e pela prepotência, e têm o objetivo de garantir benefícios e privilégios e excluir os mais fracos. Por isso, são incompatíveis com o Evangelho de Jesus Cristo. Ele mesmo teve que romper com os estreitos círculos étnicos, culturais e religiosos para que sua compaixão chegasse a todas as pessoas e povos, sem nenhuma exclusão. No evangelho de hoje, nos deparamos com uma mulher estrangeira e marginalizada atuando com insistência para que o próprio Jesus e seus discípulos se deem conta da estreiteza dos muros étnicos e religiosos do judaísmo.
Fixemos nossa atenção na bela e interpeladora cena descrita por Mateus. Depois de ter discutido duramente com os fariseus e de ter enfrentado criticamente a ideologia separatista e exclusivista que eles propagavam (Mt 15,1-28), Jesus sai e se afasta deste estreito círculo, como quem não quer mais conversa com eles. Ele é ícone de uma Igreja em saída! E eis que aparece em cena uma mulher cananéia, uma testemunha viva e dolorida de múltiplas formas de marginalização e da exclusão.
O anonimato desta mulher a faz símbolo de todas as pessoas que são jogadas fora dos muros que cercam e protegem privilégios. Ela pertence a um povo que foi desapropriado da sua terra em favor das tribos de Israel, de um povo que os judeus consideravam amaldiçoado por Deus e destinado a ser escravo dos demais povos (cf. Gn 9,25). Da boca do próprio Jesus ouvimos aquilo que os judeus pensavam dessa gente: eles não passam de cães raivosos, nojentos e detestáveis...
A atitude dessa mulher merece atenção, pois é a primeira palavra de uma mulher registrada por Mateus no seu evangelho. E esta palavra é basicamente um grito, um clamor desesperado: “Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim!” Aqui ressoa o grito de todas as mulheres e da própria humanidade golpeada mortalmente pelas barreiras que excluem, do patriarcalismo ao capitalismo. Esta mulher que vem da margem se recusa a aceitar as barreiras e privilégios que separam e excluem, intuindo que, diante de Deus, todos são filhos e filhas e todos têm lugar à mesa da vida e da misericórdia.
Frente à atitude inicial de Jesus, que parece demonstrar indiferença, e dos discípulos, que pedem que Jesus a mande embora, a mulher insiste no seu clamor em favor daqueles a quem tudo foi negado, e que esqueceram até o que são e o que podem. Ela lembra a Jesus a herança de Davi e o trata como “senhor”, como o fazem os discípulos. Ela crê no reinado anunciado e iniciado por ele e, por isso, insiste. Mesmo dando a entender que aceita o senhorio dos grandes e as migalhas que eles deixam aos excluídos, ela pede, e nome das mulheres e todos os marginalizados, um lugar à mesa, e não debaixo dela.
Esta mulher sem eira nem beira, sem passaporte e sem família, possivelmente discípula de Jesus, não se escandaliza dele, como parece ter ocorrido antes com os discípulos do sexo masculino. Por isso, ela encarna simbolicamente a abertura e acolhida que os marginalizados demonstram ao anúncio de Jesus. Argumentando que os cães têm direito às migalhas, ela também não aceita que os bens sejam dados a um pequeno grupo em detrimento de muitos: tanto os filhos como os cães têm direito à cidadania!
A reação final de Jesus é formidável: ele não apenas reconstrói a personalidade da filha da cananéia, mas também elogia muito impressionado a exemplaridade da sua fé. Esta é a única passagem no evangelho de Mateus onde a fé é qualificada como grande. “Mulher, grande é tua fé!” E esta fé se mostra concretamente no enfrentamento das barreiras étnicas, políticas, culturais, religiosas e de gênero, na persistência frente à indiferença do próprio Jesus e na confiança em sua ação libertadora.
Deus pai, raiz e fonte de todas as vocações, horizonte e caminho da educação da fé: hoje te pedimos pelas pessoas consagradas. Dá a elas a graça de serem um reflexo da tua compaixão sem fronteiras e da tua atenção aos mais fracos e aos últimos. Que teu Espírito as ajude a descobrir que sua missão se realiza na acolhida, na ternura e no serviço, e que elas experimentem a alegria impagável de serem servidoras da vida, mediadoras do teu amor libertador e testemunhas do Evangelho no mundo de hoje. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaias 56,1.6-7 * Salmo 66 (67) * Carta aos Romanos 11,13-15.29-32 * Evangelho de São Mateus 15,21-28)

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