Que a
palavra da profecia brilhe como lâmpada no escuro...
Neste
ano, a festa da transfiguração de Jesus coincide com o domingo com o qual
iniciamos a semana dedicada à vocação aos ministérios ordenados,
particularmente o padre. O padre, há muito tempo colocado no coração pastoral e
institucional da Igreja católica e da sociedade cristã tradicional,
classicamente identificado com o ensino e a pregação, é hoje objeto de muitos
questionamentos, vindos de fora e dos próprios ministros. De que modo e em qual
perspectiva a festa da transfiguração e a Palavra de Deus nela proclamada podem
nos ajudar a compreender e reconfigurar esse ministério?
O
contexto teológico da narração da transfiguração de Jesus é o evento fundante
do êxodo. A montanha remete ao monte Sinai, lugar da Aliança num contexto de
crise e tensão. As tendas propostas por Pedro recordam a tenda do encontro e a
tenda da Aliança, companheiras de um povo em saída. A nuvem que encobre e
envolve Pedro, Tiago e João acena para a nuvem luminosa que guiou e protegeu o
povo peregrino. No imperativo “escutai!” ressoa o mandato central “escuta, Israel!”
e o anúncio da vinda futura de um profeta grande como Moisés. E Moisés e Elias
estão visceralmente referidos ao êxodo e à Aliança. Ouvir, crer e sair são
verbos e dinamismos centrais na transfiguração e na vida do padre!
Não
podemos deixar de notar também onde acontece esse evento no qual Jesus é
confirmado em sua filiação divina, e também a quem se dirige essa revelação. A
experiência é feita em um lugar remoto, longe de Jerusalém e de Roma. E o
destinatário dessa revelação não é a elite religiosa e política do judaísmo,
mas um pequeno grupo de discípulos, oriundo das camadas sociais mais baixas,
suspeitos aos olhos dos lideres religiosos. As periferias e margens são relevantes
aos planos de Deus! Para ele e no seu reino, os últimos da escala social devem
ser os primeiros! Eis o horizonte do ministério ordenado!
Mas
não pode passar despercebido também o contexto temático no qual transcorre a
cena da transfiguração de Jesus. Os fariseus lhe pediam um sinal vindo do céu,
menos material e menos exigente que a compaixão que saciara a fome do povo. Os
discípulos, mesmo reconhecendo formalmente que Jesus está entre os profetas e é
filho do Deus vivo, murmuram e resistem a ele porque não conseguem assimilar um
Deus e um Messias despojado de poder e essencialmente compassivo. Como Pedro, se
o padre não se coloca atrás de Jesus, não leva a sério o que ele diz, não é
discípulo mas pedra de tropeço!
Jesus
de Nazaré, o filho de Deus que chama os diversos ministros e ministras e se
lhes oferece como modelo, é substancialmente Servo, e não usa a roupagem do
poder e da violência imperial. Ao contrário, se dá inteiramente ao sofredor
povo que ele ama, compartilhando com ele a utopia e o destino de morte e
ressurreição. Os discípulos não conseguem ouvir e entender este convite a tomar
a cruz e seguir Jesus, não conseguem aceitar que é perdendo a vida pela Boa
Notícia que a encontram. É mentirosa a pregação de um Jesus glorioso feita por
ministros que se portam mais como vencedores que como servidores!
O
brilho do sul no corpo de Jesus e o esplendor das suas vestes mostram
claramente que se trata de uma experiência e uma manifestação e da presença
divina. Mas as figuras de Moisés e de Elias querem recordar as situações e
riscos de rejeição e perigo de morte que envolvem aqueles que são seduzidos e
chamados por Deus. O ardor pela gloria divina e o empenho para faze-la valer em
favor dos oprimidos, conduz frequentemente ao dissabor escuro da perseguição...
Na sua carta, Pedro diz que é a palavra da profecia aquela que brilha como
lâmpada no escuro, até clarear o dia. A fidelidade do padre não se mostra
apenas na observação das normas morais litúrgicas, mas também na defesa dos
injustiçados.
Impressionado
com a visão, Pedro toma a palavra e expressa seu desejo de congelar aquela que
deveria ser uma experiência que leva para fora, para baixo e para frente. Deus
interrompe a fala de Pedro e sublinha que, antes de falar e propor, é preciso
escutar e assimilar o caminho de Jesus, o esvaziamento e o serviço. Escutar
Jesus é uma qualidade central do discipulado, é entender Jesus tomando a
própria cruz do esvaziamento e da compaixão. Para pregar a Boa Notícia de
Jesus, o presbítero precisa antes se familiarizar com ela, viver como discípulo
e servidor, compassivo e misericordioso.
Jesus de Nazaré, profeta do Deus Vivo, em cujo rosto
brilha o Sol da justiça! Tu revelas de modo admirável nossa gloria de filhas e
filhos adotivos. Manda teu Espirito, para que ele abra nossos ouvidos à tua
Palavra e nos torne herdeiros da tua infinita compaixão. Suscita ministros que
te escutem e te sigam de verdade, que sejam, como tu, “filhos do Homem humano”
e não se refugiem em gloriosas tendas; que se mostrem generosos no dom de si
mesmos pela humanidade, especialmente pelos oprimidos. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
(Profecia de Daniel 7,9-14 * Salmo 96 (97) * 2ª. Carta
de Pedro 1,16-19 * Evangelho de São Mateus 17,1-9)
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