Maria simboliza a
humanidade liberta e solidária.
A
Assunção de Nossa Senhora é uma festa mariana que, para as comunidades católicas
do Brasil, está ligada à semana dedicada à vocação à vida religiosa. Mas aquilo
que cremos sobre Maria não tem a ver exclusivamente com os religiosos e
religiosas: de alguma forma, se refere a todos os homens e mulheres, à
comunidade eclesial, ao povo de Deus. A glorificação de Nossa Senhora, que é a
plena realização de sua vida e sua vocação em Deus, é uma interpelação e uma
promessa extensivas a toda a Igreja e a todos os homens e mulheres. E isso é
preanunciado na imagem que João vê aparecendo no céu.
Lucas
apresenta Maria como uma mulher que sabe ouvir a Palavra viva de Deus e que
está pronta a dar o melhor de si para que esta Palavra se realize na história.
É alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade daquele que a
pronuncia. Deus pôde realizar grandes coisas nela e através dela porque
encontrou em Maria a base humana indispensável. Não fazemos bem quando a idealizamos
e desumanizamos, tirando-a da história. Para fazer-se humano o Filho de Deus
precisou de uma pessoa fundamentalmente humana, não de uma criatura angélica e
desencarnada do mundo!
Depois
da experiência de ser amada e de ser chamada a gerar e dar à luz aquele que é a
Luz do mundo, Maria vai apressadamente à casa de Isabel. Busca nesta família
fiel um sinal que confirme a parceria de Deus com os humildes, sua aliança com
os pobres e a veracidade de suas promessas. A discípula se faz serva, a serva
se mostra peregrina e a peregrina experimenta a hospitalidade na casa de
Isabel. Abraçadas no amor de um Deus que não esquece sua misericórdia, duas
mulheres louvam a Deus e profetizam publicamente. A discípula, serva e
peregrina se transforma em profetiza destemida. Maria contempla a história do
seu povo e proclama a intervenção libertadora de Deus.
É
importante não esquecer que Maria, esta mulher que foi elevada e assunta ao
céu, não é apenas uma humilde trabalhadora do lar, uma pessoa discreta que
acredita em Deus, uma doce e recatada esposa de um carpinteiro. Deus assume em
corpo e alma e eleva à glória do céu uma mulher que rompe com os costumes que
menosprezam a mulher e a mantêm calada, que diz uma palavra profética na arena
pública, que proclama uma revolucionária intervenção de Deus num mundo
patriarcal e opressor. Ela já havia usurpado o título masculino de “Servo de
Deus” e agora abre a boca e faz-se profetiza.
Por
isso, Maria simboliza uma Igreja com traços femininos. Nela e com ela, a Igreja
é chamada a construir-se como corpo que acolhe, aquece, alimenta, ensina,
respeita e favorece o crescimento e o amadurecimento dos filhos e filhas. Uma
Igreja institucionalmente rígida, fechada, autoritária, legalista e doutrinária
tem pouca relação com a figura feminina de Maria. Com Maria e suas companheiras
mulheres é possível construir uma Igreja que vive intensamente a alegria do
Evangelho, que deixa de ser alfândega e tribunal para ser lar e enfermaria que sai
para acolher e cuidar, como quer o Papa.
Inspirada
em Maria, a Igreja precisa criar espaços e condições favoráveis para o
desenvolvimento de homens e mulheres maduros, livres, despojados, solidários e
comprometidos com a salvação do mundo. Um corpo ou uma instituição que se impõe
pelo medo e pela lei estaria condenado à esterilidade e nunca terá a graça de
sentir os filhos e filhas saltarem de alegria no seu ventre. Seria um corpo
incapaz de conhecer a felicidade, e permaneceria um túmulo de homens e mulheres
que não chegam a nascer verdadeiramente. Deus nos livre de uma Igreja com nome
feminino mas com estruturas masculinas!
Na
origem da vocação à vida consagrada está a experiência de um Deus que olha nos
olhos e, sorrindo, nos chama pelo nome. Ou uma experiência como aquela de Maria
e de Isabel: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo!” E então, a
partir disso, os pés percorrem caminhos e o corpo estremece de alegria por
receber inesperadamente a visita de Deus na própria casa. A vocação à vida
religiosa não é primariamente um caminho de purificação moral ou de desprezo do
mundo, mas a experiência de plenitude de uma graça que não cobra méritos: dar
de graça aquilo que de graça se recebeu.
Maria, profetiza corajosa, mãe amorosa e discípula fiel
do teu Filho: intercede junto a ele para que as pessoas que se consagram a Deus
sejam ouvintes da Palavra, cresçam no serviço aos pobres e amadureçam na
profecia. Que sejam fiéis ao chamado de proclamar com a vida e com palavras que
nada pode ser colocado acima do amor pessoal a Jesus Cristo e aos pobres nos quais
ele vive. Assim, ajudarão Jesus a vencer a morte que ameaça seus irmãos, que
não se reduz à luta contra a corrupção. E que se façam ativa e corajosamente
presentes nos desertos, nas periferias e nas fronteiras. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
(Apocalipse 11,19; 12,1-6 * Salmo 44 (45) * 1ª Carta aos
Corintios 15,20-27 * Evangelho de Lucas 1,39-56)
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