Quando as lágrimas se tornam missionárias...
Os missionários leigos Édina Lima e Raphael Alves |
Estou em trânsito, voltando de
Moçambique, depois de 10 dias de convivência com a comunidade dos Missionários
da Sagrada Família, em Mecuburi, diocese de Nampula. São muitas as imagens e
sentimentos que zunem na minha cabeça e pedem espaço no meu coração. Mas não estou
preocupado em ordena-las racionalmente. A missão não nasce nem se sustenta no cálculo,
nas razoes claras e distintas. A missão faz parte das loucuras de um Deus
apaixonado...
Neste dia que, para os Brasileiros,
deveria ser de jejum e protesto, almocei em Nampula, na casa do Julio, noivo da
nossa querida missionaria Edina, em companhia do Pe. Celso. Mais tarde, eles se
reuniram com os missionários brasileiros da região para celebrar a data
nacional. Depois de oito meses de calmaria, ontem a Edina foi de novo visitada
pela malária, mas isso não impediu que viajasse conosco a Nampula e, inclusive,
preparasse nosso almoço.
Aliás, ontem a malária se manifestou
também no outro missionário leigo da nossa comunidade, o Raphael. Para quem
vive nessas plagas, a doença nunca é novidade; a novidade é a ausência mais ou
menos prolongada dela... Confesso que me cortou o coração ver ontem a Edina
tremendo de febre, coberta de casacos embora a temperatura externa fosse de 25
graus... Mas não ouvi uma palavra de protesto ou de lamento, nem vi lagrimas, não
obstante as dores terríveis que costumam anunciar e acompanhar esta
enfermidade.
Lagrimas a Edina derramou, de verdade e
em abundancia, em outubro de 2012, quando visitou Moçambique pela primeira vez,
durante um mês. Ela não esquece disso, e gosta de recordar. Ela diz que tinha a
impressão de que Moçambique entrara dentro dela e criara raízes, de que nela passavam
a morar todas as belezas e durezas da vida teimosa do povo moçambicano, todos
os suspiros e sonhos “em dose forte e lenta, de uma gente que ri quando deveria
chorar e não vive, apenas aguenta”, como canta noutro contexto Milton
Nascimento.
Mas aquelas não eram apenas lagrimas na
despedida. O aperto na garganta prosseguiu nas duas horas de voo entre Nampula
e Johannesburgo, e se prolongou noite adentro, no hotel, onde deveria aguardar
o voo a São Paulo, no dia seguinte. Isso chamou a atenção do pessoal do hotel,
que procurou saber se algo ruim estava acontecendo com aquela estranha
brasileira. Não era nada de ruim, era tudo de bom, o máximo bem: um amor que não
era simples sentimento, mas aliança e desejo louco de voltar!
Meus pensamentos vagueiam, e eu lembro
que nos próximos dias (dia 14) celebraremos a festa Exaltação da Santa Cruz, o
louvor a esse sinal inequívoco do amor que se esvazia para fazer-se dom, de um Deus
que desce para abraçar a humanidade e curar suas dores. Logo depois (dia 15) teremos
a festa de Nossa Senhora das Dores, de todas as dores, especialmente aquelas
que dão à luz uma nova humanidade. E, no dia 19, a memória da aparição de Nossa
Senhora nos Alpes franceses, com suas lagrimas luminosas...
Não é espantoso e paradoxal que os cristãos
pouco se importem com suas próprias dores? Para os discípulos de Jesus, o que dói
é a dor dos outros, e as lagrimas não se resumem a uma paixão sentimental. As
lagrimas dos cristãos sempre conjugam a dor dos outros, assumida como se fosse própria,
com a suprema alegria de descobrir-se capaz de compaixão, de sentir-se chamado
a ser mais, a sair de si, a fazer-se próximo, irmão e irmã. Esta é a beleza que
arranca lagrimas e rega as sementes de um mundo sem fronteiras e sem pirâmides...
Itacir Brassiani msf
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