A Palavra de Deus
alarga nossos critérios de justiça.
Avançamos
setembro adentro e continua vivo e atraente convite e dar atenção à Palavra de
Deus. “Lâmpada para os meus passos é tua Palavra!” (Sl 119/118,105). Numa época
em que a discussão sobre os direitos humanos, sociais, culturais, econômicos e
ambientais continua sem consenso, Jesus Cristo nos propõe uma Justiça que não
se orienta pela meritocracia, e estabelece firmemente o direito dos
sem-direito. A Palavra de Deus necessariamente alarga nossos critérios de
julgamento. É mesquinha a justiça que se propõe a dar a cada pessoa aquilo que
lhe é devido, sempre estabelecido pelos dominadores.
A
parábola do chefe de família que trata com igualdade seus empregados que tem
diferentes horas de trabalho está literariamente situada logo após o episódio
do jovem rico (cf. Mt 19,16-26), aquele que não aceitara a proposta de partilha
inerente ao Reino de Deus, e que provocara o desabafo de Jesus: “Dificilmente
um rico entrará no Reino dos Céus...” (19,23). Jesus vai adiante, e nos propõe
um horizonte mais amplo e um exemplo concreto. Na parábola em questão, o chefe
de família garante a todos os diaristas uma moeda de prata por dia, ou aquilo
que é justo, que um trabalhado necessita para viver.
Alguns trabalhadores
contratados começam a trabalhar bem cedo, outros às nove horas, outros ao
meio-dia, alguns às três, e outros somente às cinco horas da tarde. A todos, o
chefe de família promete um pagamento justo. Enquanto uns labutam um dia
inteiro, outros empenham no trabalho apenas algumas horas da tarde. O patrão dá
ao administrador a ordem de começar o pagamento por aqueles que haviam
trabalhado um tempo mais curto. Aqueles que haviam sido contratados às cinco da
tarde se aproximam, com grandes expectativas, mas cada um recebe uma moeda de
prata...
Assistindo
ao acerto de contas, e vendo o valor recebido pelos peões que haviam trabalhado
apenas algumas horas, aqueles que haviam começado nas primeiras horas da manhã pensavam
que necessariamente receberiam mais. E não ficam satisfeitos quando recebem o
mesmo pagamento dado aos primeiros. À primeira vista, o protesto parece justo,
e nosso desejo é fazer coro com eles. Afinal, fazer justiça não significa dar a
cada um aquilo que ele merece? Não nos parece justo desconsiderar a diferença
entre quem suportou o cansaço e o calor do dia inteiro e quem trabalhou apenas
uma hora...
“Tu os
igualaste a nós!” Este é o protesto daqueles que se acham no direito de receber
mais. A questão não é se precisam ou não, se haviam combinado ou não um
pagamento maior. A igualdade não lhes parece uma coisa justa. Não conseguem
aceitar uma ética que tem como princípio estabelecer a igualdade fundamental de
todos os seres humanos e garantir-lhes a vida mínima. Mas a Justiça do Reino, a
Justiça de Jesus, considera que cada pessoa tem direito a receber aquilo que
necessita para viver. Uma pessoa jamais perde a dignidade e o direito de ser
respeitada e tratada como como sujeito de direitos.
O
evangelho de hoje deixa uma pergunta no ar: os peões que se consideram os
primeiros e têm dificuldade de aceitar que os últimos sejam igualados a eles
não estariam com ciúme da generosidade de Deus? Jesus sublinha que Deus é Pai e
sempre age guiado pela sua bondade e não pelos nossos mesquinhos merecimentos. Ele
trata cada uma das suas criaturas segundo aquilo que necessitam, e não segundo
estreitas leis que ditam o que elas fizeram por merecer. Não esqueçamos que é muito
forte ainda hoje a tendência de imaginar um Deus que age com violenta frieza e
pune os mais fracos, como se ele fosse um simples reflexo das nossas relações
excludentes e violentas.
Jesus Cristo não deixa dúvidas: Deus dá
absoluta prioridade àqueles que as sociedades costumam colocar em último lugar.
“Comecem pelos últimos...” Este é o caminho que devem seguir os administradores
públicos, privados e eclesiais! Este ensinamento pode parecer muito duro e
contrário à corrente das nossas convicções. De fato, desafia as hierarquizações
e os sistemas construídos sobre o princípio do mérito, sempre prontos a premiar
algumas poucas pessoas bem-sucedidas e a culpabilizar as maiorias,
condenando-as violentamente a uma vida que nem merece esse nome.
Deus pai e mãe, bom e compassivo com todas as
criaturas: que teu Espírito regue a semente da tua Palavra a fim de que ela germine
e frutifique em nós! Que a tua justiça generosa ilumine os julgamentos dos
cristãos e das Igrejas. Que a inversão das prioridades em função dos últimos se
faça verdade em todos os níveis. Que nós não poupemos esforços para defender os
direitos dos humanos e de toda a criação. Oxalá aprendemos de vez que que para
os cristãos a posse de bens é licita somente quando está em função da
generosidade que dá a cada pessoa aquilo que ela necessita para viver
dignamente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaias 55,6-9 * Salmo 144 (145) *
Carta de Paulo aos Filipenses 1,20-27 * Evangelho de São Mateus 20,1-16)
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