quarta-feira, 20 de junho de 2018

ANO B – DÉCIMO-SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 24.06.2018


Viver é sair de si mesmo e tornar-se criatura nova!
A vida é caminhada, uma permanente travessia. Engajamo-nos nas lutas dos homens e mulheres e sentimo-nos atraídos a estabelecer aqui nossa morada, mas, ao mesmo tempo, descobrimo-nos estrangeiros, cidadãos de uma sociedade que ainda está para ser construída. Paulo expressa esse misterioso dinamismo a seu modo: o amor de Cristo nos atrai e pressiona, convidando-nos a passar de uma vida centrada em nós mesmos para uma vida que tem seu foco nos outros. Radicados em Cristo e com os olhos fixos nele, somos chamados a ser mulheres e homens novos.
De fato, são muitas e diversas as nossas travessias. Há uma travessia que leva do ‘eu’ fechado e indiferente ao ‘nós’ aberto e acolhedor. Há a travessia que nos leva da estabilidade de um conhecimento exaustivo e seguro, de uma ciência que imagina desvendar todos os mistérios, de uma ideologia que oferece estratégias para todos os desafios, à reverente consciência de que todas as coisas estão envoltas num mistério que nos ultrapassa e abraça por todos os lados. Há também a travessia possível e urgente de uma sociedade injusta e desigual a uma sociedade inclusiva e solidária... E muitas outras!
Mas as travessias não costumam ser muito tranquilas! Ao lado e contra o movimento de êxodo e expansão que dá vida a todo o universo, há também uma tendência à inércia, à estabilidade. Existem ventos contrários à mudança, forças que nos convidam a permanecer em casa, tentações que nos pedem que não troquemos um mal que conhecemos por um bem que é apenas desejo e promessa. É triste quando, na própria Igreja, nascida para acompanhar a humanidade em suas necessárias travessias, o medo paira como sombra que preenche todos os espaços e inibe todos os passos, e isso não obstante todos os apelos e sinais lançados pelo Papa Francisco.
Sabemos por experiência que aquilo que é desconhecido e foge ao nosso controle nos amedronta. Controlar as situações, ou submeter-se ao controle, nos dá sensação de segurança e de verdade. E o medo acaba sendo a mãe das submissões que limitam, das dominações que esterilizam, das ideologias que matam. É este medo que está na raiz do estado de guerra no qual vivem as sociedades, e promovê-lo é uma estratégia que serve aos dominadores. No coração de algumas liturgias e pregações, e por trás de muitas mensagens políticas, está a intenção de criar medo e, assim, manter a dominação.
O evangelho de Marcos nos revela que os próprios discípulos de Jesus desconhecem e temem a travessia. Depois de terem ouvido da boca de Jesus parábolas que sublinham o dinamismo escondido do Reino de Deus, eles se mostram desconcertados e temem desesperadamente a travessia que os levaria ao encontro dos estrangeiros, dos pagãos. Tudo parece escuro, tanto dentro como fora deles. E Jesus diz claramente que na raiz deste medo está a falta de fé. Pois é absoluta falta de fé esperar que Deus elimine magicamente as dificuldades da travessia da vida ou nos leve imediatamente à outra margem!
A quem Jesus se dirige quando fala “Cale-se! Acalme-se!”? Ao mar e ao vento que, aos olhos dos discípulos, parecem descontrolados e ameaçadores, ou aos próprios discípulos? Mais que o mar, eles é que estão agitados e precisam ser acalmados! O que os aterroriza é a necessidade de mudar de ideia, de ideologia, de projeto de vida, e entrar em diálogo com quem é e pensa diferente. Mas, enquanto eles se apavoram e desesperam, Jesus dorme despreocupadamente. Ele sabe que a vida está na travessia. Quem o desperta não é o vento ameaçador, mas o grito apavorados dos discípulos...
Apesar das aparências em contrário, Jesus se importa com o risco que seus discípulos e discípulas enfrentam. A travessia é necessária e desejada por Deus, e ele nos acompanha em todas elas. É verdade que, às vezes, Jesus parece dormir e sequer tomar conhecimento dos riscos que enfrentamos, mas o que ele não quer é assumir a responsabilidade e o lugar que nos cabem nessa passagem. Ele confia em nós, e a única maneira de chegarmos à maturidade que liberta é assumir nossa própria responsabilidade. Não há travessia automática e indolor, como não há vida na estabilidade absoluta...
Jesus de Nazaré, peregrino e companheiro nas travessias que a vida nos pede: permanece neste barco agitado no qual se transformou tua Igreja e a nação brasileira. Desperta em nós a certeza consoladora de que o Pai nos guia ao porto desejado, e que teu amor nos impulsiona a avançar, a não cair na armadilha do medo. Sustenta-nos em todas as travessias, pois se permanecermos do lado de cá – fechados em nós mesmos, seguros em nossas ideologias, encaracolados em nossas doutrinas – acabaremos afundando. E converte nosso medo em fé e nossa sede de segurança em vontade de caminhar. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

(Livro de Jó 38,8-11 * Salmo 106 (107) * 2ª. Carta aos Coríntios 5,14-17 * Evangelho de  São Marcos 4,35-41)

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